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Mostrando postagens de 2020

Por quem os sinos silenciam?

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  Minha mãe avaliava a plenitude e a qualidade da vida de uma pessoa pela quantidade de gente no seu velório e sepultamento. Nada poderia ser, para ela, mais triste do que constatar o enterro solitário de alguém. Por maior que tivesse sido a vida vivida por aquele falecido, sua grandeza poderia ser perdida se o morto não recebesse as derradeiras homenagens das amizades que cultivara durante sua existência. Os neurocientistas vêm demonstrando que mamãe estava certa. Eles descobriram que a alma humana funciona com um viés psicológico chamado “efeito pico-fim”, segundo o qual avaliamos nossa experiência emocional a partir de dois momentos: o ponto máximo (de dor ou de tristeza, alegria etc.) e o final daquela experiência. Nossa mente soma estes dois momentos e divide o total por dois: o resultado é nossa lembrança emocional daquilo que foi vivido. A pandemia vem nos impossibilitando de despedir, de comparecer ao velório e sepultamento de pessoas amigas e queridas, impedindo-nos de criamos

Ano passado eu não morri...

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  Presentemente, posso me considerar um sujeito de sorte, porque apesar de não ser muito moço, ainda me sinto meio salvo e quase forte. Mas, definitivamente, Deus não é brasileiro, nem anda ao meu lado. Deus pai, residente ou naturalizado, teria deixado as escavadeiras prepararem as covas para o terrível plantio das milhares de mortes antecipadas pelo vírus, aquele mesmo que Ele, brasileiro fosse, poderia ter evitado chegar às nossas praias? Filho destas terras, teria permitido que seus irmãos ignorantes se contaminassem (pai, perdoai os que não sabem o que fazem, lembra?) nas raves promovidas por ídolos e populistas que tratam as recomendações científicas de distanciamento social com a mesma chuteira que usam em campo ou nas mulheres? Nascido, quem sabe no Espírito Santo, não teria iluminado a ignorância sombria do sociopata que nos desgoverna com espuma gosmenta de prazer no canto da boca, salivando seu cinismo doentio e estúpido, enquanto mente sobre vacinas e facilita negócios bil

País de todos ou pátria amada?

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Vejo que vários governos já estão vacinando sua população contra o coronavirus e imagino se estes governantes são pessoas que se sentem parte de um povo, ou se assumem como líderes de uma nação ou aceitam a responsabilidade pela defesa dos cidadãos de seus próprios países. Entre nós, aqueles que dizem amar a pátria preferem nada fazer para salvar milhares de vidas, que poderiam ser poupadas pela vacinação em massa. Há uma lógica perversa nesta escolha genocida, além do desprezo pela ciência e pelo bom senso? Talvez a palavra pátria contenha em si os signos necessários para penetrarmos nas mentes sombrias que nos governam nestes tempos. Qual é o sentido no qual os amantes do verde-amarelo das bandeiras e hinos transformaram o conceito de pátria? Dizem que nós, enquanto bebês, somos egoístas natos até uma certa idade, pois preferimos destruir o terceiro biscoito do que permitir que o outro bebê fique com dois e nós apenas com um. No começo de nossas vidas, gostamos das pessoas próximas

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Meu indulto de Natal

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  Seguindo o exemplo de Trump e Putin, concedo o perdão a mim mesmo, às minhas amigas e aos amigos e familiares que porventura tenham colaborado nos crimes que cometi. Sim, os tenho praticado amiúde, em especial neste último ano, em que andei perdendo a esperança na humanidade, o que abriu minhas portas para os mais terríveis sentimentos, entre os quais o desejo de morte e vingança contra aqueles que andam destruindo o futuro com cinismo e cloroquina. Aproveito para perdoar também a alguns colegas médicos que morreram vitimados pela pandemia e que transmitiram sua doença para outras pessoas antes de partir, porque ignoraram as medidas de isolamento, debocharam da ciência e preferiram apoiar um genocida sociopata que ajudaram a eleger. Sim, imitando Jesus, peço ao meu pai que perdoe aqueles médicos que não sabiam o que faziam. Não sabiam?! Como assim? - diz meu anjo da guarda revoltado. Tento acalmar meu querubim, explicando-lhe que o fato de serem médicas e médicos não garante que tenh

Hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos

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Hay kay

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  Há muitas noites Sonho para abraçar  Gente querida  

M

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A polarização é necessária?

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Quando ameaçarem nos tirar o pão,  devemos exigir com manteiga.  Gu Ê Krig (1988)   Não importa o resultado das eleições, aqui ou lá fora, continuaremos divididos. Ou sempre estivemos e eu não percebia a profundidade da divisão? Até poucos anos atrás, havia em mim o sentimento profundo de que a humanidade era formada por uma única espécie, éramos todos irmãos. Podíamos eventualmente brigar por algumas coisas, mas no final prevaleceria a racionalidade e concordaríamos todos com determinadas ideias, as humanistas, é claro, e o mundo seria cada vez melhor. Apenas alguns indivíduos excepcionais seriam incapazes de compreender as razões que nos levariam a este futuro consenso, não por maldade, mas por serem vítimas de distúrbios mentais, sobreviventes de traumas insuperáveis ou aqueles criados na mais tremenda ignorância. Quantos anos uma pessoa precisa envelhecer para descobrir que dependendo de suas origens (genéticas, sociais, históricas) as pessoas comuns se tornam diferentes o bastan

segredos

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  quase toda a família sorri, mas minhas avós e meu avô  olham para a câmera  de modo triste e desesperançado.  o que já sabiam,  sobre a vida,  que não tiveram coragem  para nos contar?  seria o mesmo que hoje sei,  e finjo não saber,  para não desanimar meus netos  de provarem que estou errado?  lor  novembro 2020

Radicalizar a igualdade

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  Para Anna Bárbara [1] Em tempos difíceis, temos que aprofundar, radicalizar nossos objetivos, pois a moderação anterior pode ser parte do caminho que nos trouxe até a crise. Se acreditamos que nossos problemas decorrem da forma injusta como organizamos o mundo, e estamos convencidos de que é necessária a igualdade de direitos entre as pessoas, defender os direitos das mulheres deve ser nossa prioridade, a pauta primordial: combater a mais antiga e entranhada das dominações, o machismo. Há milhares de anos, antes mesmo da invenção da propriedade privada, da família e do Estado, os homens já mantinham (pela força física) uma divisão de tarefas nas quais a parte mais pesada sempre coube às mulheres. O trabalho das mulheres, desde as caçadoras coletoras até nossas companheiras atuais, com sua tripla jornada, é muito mais prolongado, desgastante para a saúde, e com maior dispêndio de energia do que o trabalho dos homens, incluindo a fundamental gestação das novas gerações, apesar de se

A sabedoria ao alcance de todos

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  Meu amigo, o médico e professor Ramon Cosenza, chamou a atenção para a foto acima, que ilustra um ensaio na AEON sobre a ciência da sabedoria, publicado em 2020 (ver aqui: https://aeon.co/essays/how-psychological-scientists-found-the-empirical-path-to-wisdom ). Ela foi realizada num dos vários botequins de Lambari, a cidade onde meus pais criaram meus irmãos, irmãs e a mim, no Sul de Minas. O ensaio é muito interessante e mostra os primeiros passos de um grupo internacional de psicólogos que tentam definir e medir o que vem a ser a tal sabedoria. Por enquanto, definiram a sabedoria como um processo mental que utiliza parâmetros morais para tomada de decisão numa situação que demanda a integração de conhecimentos complexos. Por exemplo, o que seria mais sábio, desmatar uma floresta e plantar soja para alimentar porcos (problema complexo) para saciar a fome das pessoas por carne (motivo moral), ou preservar a biodiversidade e desenvolver agricultura sustentável (alternativa complexa)

Cinco Hay kays para um amigo que se perdeu

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  Quem nos separa Não é o presidente, Mas gentética. O que aprendi Foi sentir alergia  À injustiça. Mesmo príncipe, Já não acreditava Em sangue azul. Mas tu querias As meritocracias, Mudar de raça. No meu futuro Encontro no presente  Você passado.

Desmata mata e come

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Impressionante o último documentário de David Attenborough! Ver aqui:  https://www.netflix.com/br/title/80216393       

Bolsonaro quer isolar crianças com necessidades especiais

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  As crianças e adolescentes precisam conviver com outras pessoas de sua idade para desenvolverem o seu potencial humano. Precisam se socializar enfrentando as dificuldades naturais que surgem numa turma de pessoas diferentes. Conviver com pessoas diferentes é bom para todos: para a criança com necessidades especiais e para as crianças sem necessidades especiais. Ambas crescem como seres humanos. Já se sabe o benefício do convívio em ambiente escolar com diversidade de capacidades de aprendizado (  VER AQUI e  AQUI ).  Vale a pena ler também um excelente texto da Professora Adriana Venuto sobre esta questão ( VER AQUI  ). Mas, que triste notícia! Infelizmente, na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro baixou um decreto que incentiva a criação de "s alas e escolas especiais para crianças com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, como o autismo, e superdotação" . Em outras palavras, uma criança com necessidades especiais (por causa da neurofibromatose, po

QUINO

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  Quino morreu. Inspirou a tantos, inclusive a mim, na percepção crítica do ser humano por meio do traço de humor. Famoso pela Mafalda, gosto ainda mais de seus cartuns. Quase nada sei sobre sua vida pessoal, apenas que era tímido e não teve filhos. Mas seus cartuns o transformaram em parte da minha própria vida, como se fôssemos íntimos. Enquanto lembrar deles, Quino estará por aqui.

Devidas dúvidas

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  Todas as manhãs busco respostas  do porquê continuar vivo. No jardim, a jovem pitangueira,  que anda hiperativa em flores,  haverá de amadurecer em frutos?  Aquela plantinha delicada,  trazida no voo de um passarinho,  resiliente como uma feminista,  vencerá a barreira de cascalhos brancos?  A erva daninha, vicejando à sombra da palmeirinha,  sobreviverá a outro eventual jardineiro  que estaria interessado  apenas na eugenia das espécies importadas?  Os gerânios florindo despudoradamente,  como se não estivéssemos numa pandemia,  continuarão viçosos no inverno?  As lagartas em amarelo e preto,  esculpindo o manacá a pequenas mastigadas,  irão se encasular à espera da metamorfose  para eclodirem suas asas translúcidas em liberdade?  A diversidade de musgos, hepáticas, azaleias e orquídeas inodoras  permanecerá compartilhando democraticamente  o zum-zum da conversa das abelhas  inebriadas pelo perfume de mel do ipê mirim?  O pau brasil, com seus espinhos de espetadas dolorosas,  mesm

Hay kay

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Usar máscaras, Ou não, desmascara as Boas e más caras

Sexualidade na quarentena

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Para Caetano, pelo seu excelente Narciso em férias.  

O dilema das redes

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Depois de assistir “O dilema das redes” na Netflix (ver aqui: https://olhardigital.com.br/noticia/-o-dilema-das-redes-escancara-aspecto-manipulador-das-redes-sociais/106869 ) decidi encerrar minha participação no Instagram, Facebook e Twitter. Continuarei fazendo meus cartuns aqui no blog. LOR

Lógica

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Delusão

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  Conheci M. muitos anos depois que seu pai havia se matado e convivemos por décadas em razão de algum parentesco. Seu jeito de ser e suas excentricidades foram aumentando à medida que envelhecia, até que a pandemia fez aflorar por completo uma personalidade que estivera semioculta, ainda que possa parecer que deveria ter sido óbvia. Ao longo da vida, M. colecionara empregos, mulheres e mudanças de endereço, trocando de uma situação para outra após decisões abruptas motivadas por um impulso decisivo e irrevogável, geralmente originado na suspeita de que havia algo de muito errado com aquele trabalho, aquela mulher ou aquele apartamento. Pegava-nos de surpresa e jamais compreendíamos bem as causas de suas guinadas na vida. Apesar disso, M. não me parecia tão fora assim dos padrões, porque num momento a crise era o emprego, noutro o casamento ou, mais adiante, o endereço. E íamos levando seu modo de ser, o que incluía às vezes opiniões preconceituosas revestidas de condescendência contra

Sétimo dia

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Assalto às mãos desarmadas

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  Suas mãos hábeis e delicadas trazem à vida a inerte e inválida bruta pedra, extraindo dela ocultos desejos futuros, esculpindo escadas, espadas de aço e silício, interfaces eletrônicas, esculturas monumentais e o cimento dos edifícios que repartem os céus em geometrias.   Suas mãos, outrora livres, foram capturadas e postas sob a força, numa história engendrada pelo acaso, feita de guerras sórdidas e ímpetos passados, que reservou para alguns a Terra e para outros o suor e o nada.   Suas mãos escravizadas moeram pedras à força da chibata, sob o terror dos capitães do mato, para receberem em troca o miserável mingau por elas mesmas preparado, ao fim de cada dia de infindável trabalho, para restarem calejadas e adormecidas num cansaço de dor e quase morte.   Suas mãos, depois de abolidos os grilhões, pareciam livres, mas perderam o direito às enxadas, facões, arados e alicates, e à matéria prima de todo seu engenho e arte, que