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Mostrando postagens de fevereiro, 2023

Andropausa

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Charge dedicada à minha médica  Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues Depois de ultrapassar os 90 anos, minha avó Maria morava num quarto na casa de meus pais e sempre que alguém se aproximava ela se queixava de dores nas mãos, nas pernas e nas costas, surdez, vista ruim, esquecimento e solidão - porque todas as pessoas que conhecera já haviam morrido.  Ao final de alguns minutos de lamúrias, geralmente ela estava aos prantos, numa tristeza profunda, da qual parecia impossível ser resgatada. Assim, o impulso natural da maioria das pessoas da família era permanecer pouco tempo ao seu lado ou tentar convencer vovó do contrário, de que ela iria melhorar, de que estava tudo bem... inutilmente, é claro. Um dia, depois de ouvir com atenção os seus lamentos por algum tempo, disse-lhe com toda a sinceridade: - Assim, é melhor morrer, não é vovó? Ela olhou-me, parecendo considerar seriamente aquela alternativa e disse: - Mas... eu como bem, durmo bem, o intestino funciona bem... Alguns minutos depoi

Baby bombers

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(falso Hay Kay no estilo clássico japonês de 5-7-5 sílabas, que talvez interesse a amigues que nasceram logo depois da Segunda Guerra)   O fim do mundo começa em mim e na minha geração   Comemos terras devoramos florestas cuspimos lixos   Em três décadas abrimos quase todas portas infernais   Nossa herança será calor e fome guerras e secas   Não há desculpas para crianças mortas na queda do céu   Por isso sinto vergonha e o luto por ter falhado   Nada redime a idade e culpa por superviver.   Então vejo o araticum vivo que a neta plantou   Mísero broto que contradiz meus versos e nega o fim.  

Vontade de deus

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Minha tristeza aumenta quando as vítimas dizem que foi a vontade de deus. Há 34 anos publiquei a charge abaixo no Diário Popular, por ocasião de uma tragédia parecida no litoral de São Paulo. Parece que deus não a viu ou não a entendeu.

Fantasia liberal

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Bodas de sangue

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Em homenagem a Carlos Saura,  que nos deixou, um Hay Kay: Amor te amo Amo-te amor até À morte amor (Hay Kay clássico, 5-7-5, à maneira japonesa)

Veganos da periferia

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  Depois que publiquei minha decisão de parar de comer carne  por razões políticas, algumas pessoas amigas concordaram com esta opção, mas outras duvidaram da sua aplicabilidade, eficácia e segurança (ver abaixo). Minha justificativa política para não comer carne tornou-se mais forte nos últimos dias com dois novos artigos: 1) João Moreira Sales, na Folha de São Paulo, sobre como o boi substitui a floresta na Amazônia e causa (com o garimpo) o genocídio dos povos indígenas, como está acontecendo de forma terrível com os Yanomami. 2) George Monbiot, no The Guardian, sobre como a criação de frangos, porcos e visons em escala industrial é o laboratório onde estamos preparando a próxima pandemia de vírus letais originados em aves. Fica cada vez mais evidente que é justamente o consumo excessivo de carne  – pela minoria de pessoas que pode pagar por ela - que destrói as florestas brasileiras para o gado ou para as culturas de grãos que vão alimentar os animais para serem mortos

O elefante na sala (atualizado em maio de 23)

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  Desde que manifestei minha decisão política de não mais comer carnes (quaisquer), as reações têm variado desde o silêncio constrangido – Ih, outro vegano maluco?! - a comentários sobre saúde e alimentação ou preferências culinárias. Repito, é uma escolha política e não se trata de uma questão de preferência alimentar, culinária ou de saúde pessoal: é uma decisão de me opor à devastação da vida, causada pelo sistema capitalista em curso. Uma atitude que vem se somar às minhas escolhas em defesa da organização democrática da sociedade civil, na luta contra as desigualdades, contra a meritocracia, contra o racismo e contra o machismo.  São atitudes insignificantes diante do tamanho dos nossos problemas, mas são comportamentos que posso fazer agora, movido pelo pânico que Greta Thunberg nos alerta. No entanto, parece que quase ninguém quer falar sobre as relações entre desmatamento (e queimadas) na Amazônia – incluindo aqui seus efeitos sobre a crise climática e expulsão dos povos-flo

Tempero do Neymar

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Alguém insistiu com meu neto Antônio, quando ele tinha 3 anos: - Come o bife de frango, Tom! - Frango? - Isso, come a galinha... - Galinha?! A gente come galinha!!!?? Seu espanto foi aumentando à medida que tentavam convencê-lo de que, sim, comemos galinhas, porcos, bois... - A gente come porco!!??? A gente come boi!!?? Desesperado, fugiu da mesa e desde então se recusa a comer carne sempre que pode. Agora, me tornei seguidor do Antônio, pois também não como animais mortos, por dois motivos. O primeiro, porque sim, concordo com ele que matar animais para comer é uma violência que cometemos contra seres não humanos que sentem dor, medo, aflição, desespero e desejo de viver como nós, humanos. Segundo, mas também importante, é porque ao comer carne tenho contribuído para a invasão de terras indígenas, para o desmatamento da Amazônia e para o aquecimento global. Parar de comer carne é pouquíssimo, eu sei, mas é uma das coisas que posso fazer. Se muita gente topar essa parada, quem sabe um

Eliane Brum: pânico ou esperança?

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  Ler Eliane Brum exige coragem, porque quem a conhece sabe que ninguém termina seus textos indiferentemente. Foi com a disposição de ser profundamente tocado e modificado pelas ideias que li “Banzeiro Òkòtó – uma viagem à Amazônia centro do mundo” , seu último livro. Eliane Brum, jornalista e escritora internacionalmente reconhecida, para além de seu engajamento intelectual, mudou-se para Altamira, no Pará, em corpo, alma e mais-que-humana presença na defesa dos povos-floresta, sendo este termo, povo-floresta, um dos aprendizados transformadores que encontramos no livro, um relato transpessoal e profundo da luta decisiva que acontece numa das fronteiras mundiais do avanço capitalista, a Amazônia. No clima de guerra pela sobrevivência dos povos-floresta – e da humanidade - Eliane e companheiras criaram a organização jornalística combativa SUMAUMA , por meio da qual trazem informações fundamentais sobre as relações entre o desmatamento, o garimpo, as madeireiras, as estatais, a violênci