Meu indulto de Natal
Aproveito para perdoar também a alguns colegas médicos que morreram vitimados pela pandemia e que transmitiram sua doença para outras pessoas antes de partir, porque ignoraram as medidas de isolamento, debocharam da ciência e preferiram apoiar um genocida sociopata que ajudaram a eleger.
Sim, imitando Jesus, peço ao meu pai que perdoe aqueles médicos que não sabiam o que faziam.
Não sabiam?! Como assim? - diz meu anjo da guarda revoltado. Tento acalmar meu querubim, explicando-lhe que o fato de serem médicas e médicos não garante que tenham sido bem formados cientificamente e, muito menos, habilitados humanisticamente. Aliás, sabemos que a maioria dos médicos vem da elite e que, apesar de terem nascido bebês com a plena capacidade de empatia pelos outros seres humanos, especialmente os mais vulneráveis, logo nos primeiros anos de vida são educados nos princípios elementares da meritocracia, do racismo e da competição. Nesta nurture acabaram virando bolsonaristas precoces antes mesmo de Bolsonaro haver nascido.
Se promulgo o perdão aos colegas esculápios negacionistas entubados numa UTI, tentando se recuperar da COVID que tanto menosprezaram por falta de preparo científico, é claro que proponho o indulto também para os demais que não se formaram em medicina e que por falta de conhecimento técnico não se protegeram a si e aos outros, porque foram influenciados pelos governantes e profissionais da saúde que espalharam fakenews sobre máscaras, vacinas e outras mentiras absurdas sobre aquilo que eles chamam de o vírus chinês.
Está óbvio, nesta sequência, que nem preciso perdoar, porque crime não cometeram, as pessoas com nível de educação insuficiente para compreenderem um parágrafo escrito e que não seguiram as medidas de isolamento e proteção porque foram duplamente vítimas da ignorância estrutural e dos interesses políticos da quadrilha que subiu aos podres poderes.
No entanto, só posso indultar esta turma acima com o consentimento daquelas pessoas que se cuidaram, que tentaram também proteger os outros, que respeitaram a ciência e as medidas sanitárias e que, mesmo assim, foram infectadas pelos criminosos sociopatas já mencionados. Que todo o seu imenso sofrimento seja lembrado para sempre, como aquelas milhares de mortes que poderíamos ter evitado, durante o julgamento dos responsáveis num tribunal internacional para crimes contra a humanidade, que um dia haveremos de constituir.
Por último, quero pedir às pessoas que tiveram que continuar trabalhando para sobreviver, cujos patrões as obrigaram a quebrar as medidas de proteção e que por isso se contaminaram; às trabalhadoras domésticas expostas ao vírus nas casas de família da classe média (que continuou festejando durante a catástrofe); aos trabalhadores apinhados no transporte urbano sucateado ainda mais neste ano; às equipes de enfermagem, a profissão mais letal nesta pandemia, que concedam o seu perdão aos indiciados acima, mas apenas àqueles que realmente não sabem o que fazem.
Aos perversos, não.
Lor
Dez 2020
Que induto comovente! Obrigado Lor por suas ideias, artes e generosidade.
ResponderExcluirEu também preciso desse indulto porque cometo o crime da injúria e difamação contra a classe dominante médica no Brasil. Politicamente são cúmplices da pandemia, da necropolitica implantada no Brasil. O site da Associação deles no COVID é vergonhoso. Trabalho fora do Brasil, visito sites medicos de vários países. O daqui não presta para nada, não tem empatia com nada , não "desrecomendou" nunca a cloroquina . Não tem um artigo denunciando a desigualdade racial e social e o COVID , como o daqui dos EUA fez tantas vezes. É um lixo de categoria, com exceção dos de esquerda. Obrigada por este texto verdadeiro. Myriam Marques , enfermeira NY
ResponderExcluirTextos inteligentes e de leitura agradável. Convenientementes arcásticos.
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