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Mostrando postagens de fevereiro, 2020

Meu medo do abismo

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O sentimento angustiante que perpassa meus gestos cotidianos se acentuou nos últimos dias com a escalada de sucessivas rupturas da malha institucional que nos constitui como sociedade, fazendo-me perder o sono, o sorriso e a saúde, como se eu estivesse diante de uma antiga ameaça que, de repente, se transformou de risco crônico em perigo iminente. Há alguns anos visitei os cânions no nordeste do Rio Grande do Sul, na divisa com Santa Catarina. No primeiro, Itaimbezinho, com centenas de metros de profundidade, há uma cerca com cabos de aço um pouco antes do precipício, o que nos permite ver a paisagem belíssima sem que insegurança nos envolva. No outro, o cânion Fortaleza, não há nenhuma proteção ao longo das margens do abismo, de tal forma que, a poucos metros da borda, meu pavor de uma queda foi tão grande que percorri de gatinhas os centímetros finais, arriscando uma olhadela nas profundezas e retornando a uma distância prudente. Alguns turistas se aproximavam perigosamente e

Golpe no volante

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Quando foi a última vez que pensei sobre o futuro?

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Percebi o desconforto da jovem médica quando perguntei o que ela esperava do futuro. Não penso muito no futuro, respondeu, vou seguindo meu caminho de acordo com as oportunidades que surgem, com prioridade na minha família, no que pode ser feito de imediato. Lembrei-me de alguns estudos de neurocientistas que descobriram que o tempo que imaginamos que ainda viveremos seria um fator importante para o nosso comportamento em geral. Jovens tendem a esperar mais tempo de vida do que os idosos, então os jovens se arriscam mais, dão prioridade para novas amizades, para viajar, conhecer novos países, tentar novas atividades profissionais e mudar o mundo. Enquanto os idosos tendem a se concentrar na família, escolher caminhos conhecidos, optam por conviver com parentes e amigos antigos e se arriscam menos, preferindo conservar o mundo. A jovem médica estaria se comportando como uma idosa? Talvez ela tenha razão em não querer pensar sobre o futuro. Imaginar o que estaremos vivendo daqui a al

Perdendo a memória

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Meu amigo perguntou se certos esquecimentos que ele vem sentindo seriam sinais de demência senil ou Alzheimer. Pedi que me desse mais detalhes. Venho me esquecendo de como eram os encontros na minha família, disse ele, cabisbaixo. Tenho uma vaga lembrança de que era um tempo em que não havia tantos rancores do fulano, ou não falo mais com o beltrano, ou não se toca nesse ou naquele assunto com o ciclano. Não me lembro mais como era discordar das pessoas sem achar que suas ideias eram fruto do ódio ou da desinformação. Esqueci-me do jeito que a gente falava sobre o futuro, pois parecia mesmo haver um futuro, meio incerto, mas tínhamos planos para ele e sentíamos que, mesmo com idas e vindas, a maioria das pessoas desejava tempos melhores e caminhávamos adiante. Não me lembro da última vez que tive orgulho de ser brasileiro ao saber de alguma realização extraordinária de um companheiro de cidadania, alguma obra de gente dedicada ao seu povo. Estou me esquecendo de como era a alegria de

Aves raras

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Ontem, Miguel Paiva apresentou seu livro Memória do Traço no programa Sempre um Papo com o incansável Afonso Borges. Miguel é um dos principais cartunistas brasileiros, com uma obra artística extensa (mais de dez mil desenhos), abrangendo desde o cartum e charges, sua vocação primeira, até ilustrações, quadrinhos, pintura, televisão, cinema e teatro. Miguel pertence à geração intermediária de cartunistas (como Nilson e eu, que estávamos no encontro ontem) que se situam entre a turma do Millôr Fernandes, Ziraldo e Jaguar, e os atuais cartunistas, como o grupo entusiasmado do WhatsApp que está criando a revista de humor Pirralha (com lançamento para breve), entre eles Duke e Guto Respi, que também participaram das conversas. Miguel relembrou sua participação intensa no Pasquim, o semanário que revolucionou a imprensa brasileira e era um alívio intelectual e emocional para todas as pessoas que se opunham à ditadura militar. Ao rememorar seu trajeto profissional (ver aqui http://sempreum

File fire ou Fire file?

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Ernest Hemingway foi desafiado pelos amigos a escrever um conto com apenas seis palavras. Ele escreveu: “Vende-se sapatos de bebê. Nunca usados.” Inspirado por ele, resolvi tentar fazer o mesmo. “Milicianos são mito. E vice versa.” “Ex-capitão morre com tiros a queima-boca.” “Testemunha permanece em silêncio. Para sempre.” “Ninguém sentirá sua falta. Nem ele.” Quando acabei de escrever estes contos de seis palavras numa mesa de bar, disse: “Garçom, vê a saideira! Baker, senhor?”

Munição de ninguém

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Compartilho o texto da INTERCEPT BRASIL sobre o projeto de lei de Jair Bolsonaro para acabar com a marcação obrigatória das munições (  VER AQUI  ) A quem interessa acabar com a numeração de munições no Brasil? Ao crime, com certeza, sim. Pois é exatamente isso que o deputado Alexandre Leite, do DEM paulista, está tentando fazer: ele defende um projeto de lei que prevê eliminar a regra que obriga polícias e Forças Armadas a comprarem munições com marcação de lote. A marcação é isso aqui: O cartucho acima, por exemplo, nós recolhemos quando rodamos as ruas do Rio depois de tiroteios . Ele é do mesmo lote que matou Marielle. Como sabemos? Ora: porque a marcação existe. Qual o impacto real da extinção dessas numerações? Imagine que poderíamos simplesmente deixar de saber, por exemplo, que as balas que mataram Marielle Franco e Anderson Gomes vieram de um lote vendido para a Polícia Federal em 2006 . E que as balas desse mesmo lote também foram usadas na maior chacina de Sã

Memórias futuras

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Alozanfan!!!!

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A ideia do sorteio como mecanismo democrático vem crescendo. Veja a excelente reflexão do cientista político André Rubião aqui: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2020/A-explos%C3%A3o-do-sorteio-na-democracia?utm_campaign=anexo&utm_source=anexo Tenho defendido o sorteio como mecanismo democrático há algum tempo. Ver aqui: https://lorcartunista.blogspot.com/2017/06/cientista-politico-da-universidade-de.html e aqui: https://lorcartunista.blogspot.com/2017/06/criticas-ao-projeto-do-sorteio-ja.html e aqui: https://lorcartunista.blogspot.com/2017/10/gregorio-duvivier-apoia-sorteio-viva.html e aqui: https://lorcartunista.blogspot.com/2017/06/supremo-ja-aprova-o-sorteio.html e aqui: https://lorcartunista.blogspot.com/2017/06/grandes-cientistas-brasileiros-ja.html e aqui: https://lorcartunista.blogspot.com/2017/06/atletas-brasileiros-confiam-no-sorteio.html e aqui: https://lorcartunista.blogspot.com/2017/06/milhoes-de-brasileiros-acreditam-no.html e aqui: https://lorcartunist