O Partido do Luxo Para Todos




Muitos anos depois, diante do acordo com José Alencar (PL), o futuro presidente Lula (PT) haveria de recordar aquela tarde remota em que um sujeito lhe entregou uma cópia do Programa do Partido do Luxo Para Todos (PLPT), algumas ideias igualitárias radicais reunidas por um grupo de pessoas de esquerda, entre elas este escriba que vos fala [i].

O então candidato da aliança PL-PT preferiu ignorar algumas propostas do nosso PLPT, as quais poderiam ter feito muita diferença em seus governos seguintes, evitando, quem sabe, o ressentimento da população contra a incapacidade da socialdemocracia em oferecer pouco mais do que a meritocracia como resposta para as desigualdades sociais, o que desaguou no bolsonarismo nos anos seguintes.

Agora, embalado pelo desmascaramento tardio (quae sera tamen) do julgamento amorol que o havia condenado a não ganhar eleições por invadir a mansão de Flávio Bolsonaro, o ex-presidente pode voltar à corrida presidencial e talvez seja um momento oportuno para lembrar a ele algumas das ideias do PLPT.

A primeira delas, é claro, defende que não há civilização possível sem 3 direitos humanos: cama, comida e roupa lavada, ou seja, um luxo para grande parte da população atual. Então, lutaremos por esta plataforma explícita no nome do partido, o luxo para todos.

No entanto, não desejamos dividir a pobreza (como dizem os liberais que esta seria a intenção dos comunistas). Não vamos destruir as camas dos ricos, seu excesso de comida ou seus closets com centenas de pares de sapato, para que todos fiquem pobres. Queremos, sim, dividir a riqueza, para que todos sejam ricos, porque, como lembra Fernando Proietti que disse a Sophie Tucker alguém: “Fui rica e fui pobre, e acredite, meu bem, é melhor ser rica.”

Obviamente, para reforçar este princípio ideológico inabalável, nosso símbolo será uma estrela especial: de strass, emblema criado pela nossa musa inspiradora, Thalma, artista plástica e uma das fundadoras do partido. É importante lembrar que será politicamente incorreto usar uma estrela de brilhante na lapela, até que a última criança africana seja libertada do trabalho escravo nas minas multinacionais e que as joalherias se tornem obsoletas porque não haverá mais lavagem de dinheiro.

Para viabilizar esta nossa proposta fundadora, basta somarmos todas as riquezas da terra e dividirmos o total per capita. A equação é simples:

a) Se atualmente 1 rico possui a mesma riqueza que outras 99 pessoas, isto significa que o total de riquezas é = 99 (do rico) + 99 (dos demais), ou seja = 198

b) Se dividirmos esta riqueza total (198) pelas 100 pessoas (incluindo o rico), teremos 1,98 de riqueza para todos, ou seja, no mínimo, dobramos imediatamente a felicidade mundial, segundo a filosofia utilitarista de Jeremy Bentham.

Outra das nossas propostas é a aposentadoria prévia, ou seja, vivemos antes e trabalhamos depois. Reconhecemos que os melhores anos da vida vão até os 40, então, aqueles acima desta idade trabalham para sustentar os mais novos, os quais poderão estudar, ter filhos, viajar, amar e aproveitar sua saúde até os 40 com os recursos gerados geração anterior. Aqueles que atingem os 40, com a experiência da vida, estudos completos e saciados de sexo e diversão, passam a trabalhar para sustentar a geração seguinte. Tipo o que muitos pais já fazem atualmente, mas transformado em norma constitucional.

Outra emenda constitucional (proposta pelo saudoso Millôr Fernandes), seria o aperfeiçoamento do cuidado parental: pais entregam seus filhos para os tios cuidarem e vice-versa. Tios costumam ser mais divertidos que os pais, além de eliminarmos o complexo de Édipo, neuroses e necessidade de psicanálise.

Outra plataforma do PLPT seria acabar com as competições em todos os campos. Por exemplo, nos esportes, os times começariam os jogos já de posse de uma taça de campeão cada um, e aqueles que quisessem poderiam ir se divertir com a bola ou tomar uma cerveja. Na universidade, as vagas seriam sorteadas entre todas as pessoas que completassem o ensino médio e que depois receberiam seus diplomas aos 40 anos, começando então a trabalhar. Há indícios de que os resultados práticos desta opção educativa seriam melhores do que o atual sistema que garante diplomas apenas a 10% da população mais rica (os mesmos).

Finalmente, a organização interna do PLPT sempre foi baseada na democracia extrema: todos são chefes. As eleições devem ser realizadas periodicamente, com rodízio dos postos de comando, tomando-se o cuidado para que todos possam exercer todas as chefias. Inclusive, para contemplar a todas e todos, um dos cargos foi criado explicitamente para acomodar uma militante que exigia especificamente esta função, a Diretoria de Insumos Telúricos para Emissão de Projéteis Contundentes nos Adversários.

Gostaria de relembrar outras propostas do PLPT, mas uma pasta com nosso programa completo foi destruída durante um acesso de raiva de um de nossos militantes. Ele assistia o debate entre Lula e Collor na TV e o caçador de marajás mostrou que Lula era muito rico porque possuía um aparelho de som completo. O Brasil então escolheu Fernando Collor, num sinal evidente de que os brasileiros preferiram a pobreza do jovem governador de Alagoas. Isso desanimou nosso militante, temporariamente, mas já era tarde, os papeis do PLPT haviam se tornado cinzas.

Por isso, se alguém se lembrar de outras de nossas propostas políticas, tenha a gentileza de enviar para este blog para, quem sabe, recuperarmos um momento histórico tão importante para o nosso país.

A luta continua: queremos uma mansão de 6 milhões para cada brasileira e brasileiro!




[i] A estrutura da primeira frase é uma paródia da primeira frase de “Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Marques: “
Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo. ”.

Comentários

  1. Meu caro Dr LOR, entre tantas leituras, de várias fontes, meu discernimento se faz completo com a leitura, ainda não completa, de Batismo de Sangue, de Frei Betto. Ao terminar mais um capítulo, entre tantas frases: "A transformação do mundo é como o amor, não feito de ideias, mas sim de atitudes". Não sendo suficiente em parábolas, nem dita com outras palavras, e nem mesmo o testemunho, nem mesmo a mais contemporânea frase de Ghandi traz alguma mudança, enquanto corpos não se dão conta de conter algo que registra nossos sentimentos. Eu fui doar sangue hoje, com mais duas mulheres do MST e três freiras. Um encontro saudoso de uma bela experiência de conhecimento que está quarentena prolongada me proporcionou, em segurança. Entre reflexões, lembrei de navegar por aqui, em teu blog. Minha ideia era sugerir um cartum, com um anjo, um ser humano com camiseta que demostre melhor representar a esquerda, sentados numa mesa olhando para um terceiro ser vestindo uma camiseta com um $ dourado estampado e a arma na cintura. Os dois com olhar de convite cordial para que o terceiro se junte para o diálogo. Uma síntese do que é negada, a esperança de um mundo mais justo, pacífico e fraterno. Sinta nosso abraço.

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