Nexus: uma boa análise não marxista
Nexus, no topo da lista dos livros mais vendidos, é resultado
do imenso conhecimento histórico e da escrita envolvente do israelense Yuval
Noah Harari, que revê diversos regimes políticos da humanidade sob a ótica
do fluxo de informações: quanto maior o controle da informação, menos
democrática será a sociedade.
Ele desmonta o mito de que quanto mais informação,
mais nos aproximamos da verdade e analisa profundamente os avanços das redes
sociais e da inteligência artificial no comportamento de bilhões de pessoas.
Harari demonstra que o algoritmo criado pelas redes sociais
para dar mais lucro às plataformas tem sido uma das causas da polarização
política digital, que pode transbordar para efeitos na vida real, alterando eleições
(ele cita especificamente o Brasil na eleição de Bolsonaro) e estimulando
genocídios como em Myanmar (ver aqui meu comentário Cuidado
com o que você laica).
Ele relembra relatos impressionantes dos tempos dos
totalitarismos soviético e nazista, numa denúncia implacável dos crimes hediondos
cometidos por aqueles regimes, que são a fonte da sua crítica a qualquer forma
de autoritarismo, inclusive com denúncias específicas das democracias
deformadas por Trumps, Bolsonaros e Putins.
Harari também cria especulações detalhadas sobre os riscos
iminentes da inteligência artificial sair do controle humano e dominar a
humanidade. Ele desenvolve uma análise do comportamento alienígena da
inteligência artificial, baseada na lógica inevitável dos algoritmos, que ele vê
como grande risco social para nosso futuro próximo.
Em especial, o capítulo ”Todo poder ao algoritmo”, seu
relato nos causa calafrios com o chamado controle totalitário social por meio
digital, que já se manifesta, em especial, em países como a China, com o
sistema de Crédito Social sendo implementado, e o Irã, com o controle digital
do comportamento religiosos (das mulheres em particular).
Em resumo, Nexus é um livro indispensável para se
compreender melhor o mundo atual e futuro, por isso agradeço à Ana e Juliano e,
para além do prazer imenso da leitura que me proporcionaram, confesso que torci
o tempo todo para que Harari superasse sua antipatia pelo marxismo e incluísse na
análise da história contemporânea a estrutura social, cultural e econômica do
sistema capitalista que move as corporações e empresas de informação.
(Ele acha que o marxismo se reduz apenas à disputa pelo
poder econômico sem compreender outros aspectos da humanidade, ou seja, ele
ainda se refere ao marxismo ortodoxo de Karl Marx, mas - nisso - pessoas
marxistas contemporâneas também criticam o marxismo clássico, como as
feministas, as antirracistas, as de-colonialistas e as não-eurocêntricas).
Não fosse essa resistência ao marxismo (e por extensão à crítica
ao capitalismo), talvez Harari pudesse ter utilizado algumas ideias de seus
próprios livros anteriores, como “Sapiens”, no qual ficamos sabendo que as invenções
humanas de subjetividades coletivas (como o dinheiro, as religiões, os
estados, etc.) deram origem, no capitalismo, às empresas e corporações, as
chamadas pessoas jurídicas (não humanas) que são movidas por uma única
finalidade incoercível: o lucro.
Em outras palavras, essa invenção do capitalismo, a
corporação formada por acionistas anônimos, criou seu próprio algoritmo
“lucrar sempre”, um algoritmo semelhante àquele que Harari descreve para a
inteligência artificial.
Este algoritmo do lucro já expandiu seu poder sobre toda a
humanidade e hoje devasta o planeta, - que vai sendo consumido pelo crescimento
econômico - pois as corporações já saíram do controle de seres humanos.
Então, já vivemos sob o domínio de um sistema alienígena, semelhante
àquele que Harari sugere que acontecerá com a inteligência artificial. Resta
saber como retomaremos o controle sobre nossas vidas usando nossa inteligência
política para conter os algoritmos combinados do capitalismo com a inteligência
artificial.
Observação: Este texto foi escrito por um ser humano sem a
ajuda de inteligência artificial (acho).
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