Igualdade ou liberdade, um falso conflito?
Minha filha Luiza emprestou-me “Marxismo ocidental”, do italiano Domenico Losurdo (1941-2018), o pensador indicado pelo Jones Manuel para o Caetano Veloso, que o fez deixar de ser, segundo nosso poeta tropical, “aquele liberaloide de antes”, numa entrevista que desconcertou Pedro Bial.
Foi uma grata surpresa, pois Losurdo mostrou-me um novo olhar histórico sobre as lutas socialistas do último século.
Na minha juventude, em plena ditadura militar, tomei consciência das injustiças sociais e compreendi a lógica da exploração capitalista quando li O Capital de Karl Marx. No passo seguinte, abracei o ideal marxista da revolução socialista internacional e, naquela época, as ideias de Leon Trotsky pareceram-me as mais corretas.
Quando percebi que as revoluções comunistas soviética, chinesa, vietnamita e cubana (entre outras) haviam caminhado para uma forma de nacionalismo mais do que uma revolução socialista, lastimei que aquelas revoluções haviam se desviado do ideal revolucionário marxista.
Depois de tomar conhecimento dos erros cometidos por Stalin, fui convencido (inclusive por Hanna Arendt e outros pensadores de esquerda) de que o totalitarismo stalinista era equivalente ao totalitarismo nazista, e Stalin e Hitler seriam criminosos comparáveis. Continuei com este pensamento até recentemente, quando postei um texto, sobre a invasão da Ucrânia por Putin, com o título “A outra margem do conflito”.
Agora, leio a narrativa de Domenico Losurdo sobre os últimos 150 anos de história e tem sentido o que ele diz, mas não é fácil mudar de ideia aos 73 anos, pois se estive enganado por tanto tempo, quais são meus outros equívocos que ainda continuam vivos por aí?
Losurdo mostra que as realidades enfrentadas pelas revoluções comunistas (russa, chinesa, vietnamita e cubana) eram situações coloniais de extrema miséria e violência, que precisavam ser superadas imediatamente com o desenvolvimento acelerado dos recursos econômicos e militares para evitar que aqueles países voltassem a ser colônias dos novos imperialistas (Estados Unidos).
Estas realidades sociais e econômicas, diferentes daquelas que previra Marx como propícias ao desenvolvimento do comunismo, levou os dirigentes das revoluções no oriente (Rússia, China e Vietnã) a adotarem adaptações do marxismo, surgindo daí o “marxismo oriental”, com forte componente de luta anticolonialista e anti-imperialista. Segundo Losurdo, a luta anticolonialista foi a característica histórica mais marcante do Século XX. Mais ou menos como na ilustração abaixo.
No entanto, diz ele, os marxistas ocidentais (Arendt, Althusser, Marcuse e outros) não perceberam esta realidade das colônias e adotaram posturas eurocêntricas, passando a desprezar, hostiliza e negar as conquistas revolucionárias na União Soviética e na China. Teriam, por exemplo, minimizado a tremenda evolução da China, que passou de uma colônia miserável no Século 19 para a potência econômica e militar no século 20, e este seria o acontecimento mais importante dos últimos 500 anos. No entanto, os marxistas ocidentais continuam esperando um comunismo de forma utópica e messiânica em função da cultura judaico-cristã e, influenciados pelo liberalismo, passaram a valorizar a liberdade burguesa, criticando o totalitarismo dos países socialistas.
Ao serem obrigados a um estado de guerra permanente anti-imperialista, os revolucionários orientais teriam sido levado a regimes políticos fechados, a ditaduras do partido comunista, mas Losurdo considera que o suposto dilema entre Justiça (igualdade econômica) ou Liberdade (política), seria um falso dilema, pois a liberdade das pessoas em condições de maior igualdade econômica (por exemplo, regimes socialistas) teria um significado diferente da liberdade em países com grande desigualdade econômica (por exemplo, regimes capitalistas). A liberdade burguesa (direito ao voto, opinião) seria diferente da liberdade comunista (direito à saúde, educação, moradia, trabalho e organização política dentro do partido operário). Ele lembra a ironia de que a liberdade burguesa diz que príncipes e mendigos são igualmente proibidos de dormir debaixo da ponte! (Adaptei a ideia no cartum acima).
Losurdo lembra que a democracia burguesa é dominada pelos muito ricos que manipulam os povos com seu poder econômico (que controla votos, opinião, ideologia) e, quando necessário, militar. Como podemos falar em democracia onde existe racismo? -, pergunta ele - (e sexismo estrutural – também pergunto).
Acrescento: os comunistas costumam ser criticados por proporem a ditadura do proletariado (que proíbe a divulgação e organização política com ideias contrárias à revolução socialista), mas a democracia (burguesa) também proíbe a divulgação de ideias e a organização política consideradas antidemocráticas, como o nazismo, por exemplo.
Losurdo entende que as condições de ameaça externa justificaram a restrição da liberdade e a manutenção do Estado militarizado nos países socialistas e a democracia socialista será possível depois da fase de defesa da revolução realizada pela ditadura do proletariado.
Outro tema importante para Losurdo é a mudança que vem ocorrendo na ideologia dominante: a bandeira da supremacia branca (anteriormente usada para justificar o colonialismo) está disfarçada em “valores do Ocidente”, ou seja, a cultura branca e ocidental como origem da única e verdadeira civilização humana. Neste sentido, ver polêmica recente de Thomas L Friedman (do New York Times) publicada na Folha de São Paulo (22/4/22) sobre o Ocidente representar a democracia, enquanto a Rússia e a China (o Oriente) representarem o totalitarismo.
Em conclusão, a revisão histórica de Losurdo mostrou-me que a construção do socialismo não tem tempos fixos, ou etapas predeterminadas, e pode variar suas prioridades e focos de luta de acordo com as condições reais do tempo presente. Neste contexto de diversidade política, toda ação que se oponha à estrutura capitalista-imperialista é uma atitude revolucionária (Marx).
Domenico Losurdo me fez ver o Lor surdo que tenho sido, pois misturei meu sonho de internacionalismo socialista com a globalização liberal (que é a liberdade plena para o capital, que não possui pátria, enquanto os trabalhadores são mantidos presos em suas “nacionalidades” para facilitar a máxima exploração econômica geral). Ou seja, confundi a internacionalização humanista com a hegemonia do capitalismo “ocidental”.
Já comprei outro livro do Losurdo, uma biografia crítica de Stalin.
Depois, preciso rever as histórias de Mao, Ho Chi Min e Fidel...
... rever as críticas no post que escrevi sobre minha viagem a Cuba...
... o que andei escrevendo sobre liberdade e democracia como valores absolutos...
Me aceita no time dos ex-liberaloides, Caetano?
Obrigado pela indicação do livro, Luíza.
Foi uma grata surpresa, pois Losurdo mostrou-me um novo olhar histórico sobre as lutas socialistas do último século.
Na minha juventude, em plena ditadura militar, tomei consciência das injustiças sociais e compreendi a lógica da exploração capitalista quando li O Capital de Karl Marx. No passo seguinte, abracei o ideal marxista da revolução socialista internacional e, naquela época, as ideias de Leon Trotsky pareceram-me as mais corretas.
Quando percebi que as revoluções comunistas soviética, chinesa, vietnamita e cubana (entre outras) haviam caminhado para uma forma de nacionalismo mais do que uma revolução socialista, lastimei que aquelas revoluções haviam se desviado do ideal revolucionário marxista.
Depois de tomar conhecimento dos erros cometidos por Stalin, fui convencido (inclusive por Hanna Arendt e outros pensadores de esquerda) de que o totalitarismo stalinista era equivalente ao totalitarismo nazista, e Stalin e Hitler seriam criminosos comparáveis. Continuei com este pensamento até recentemente, quando postei um texto, sobre a invasão da Ucrânia por Putin, com o título “A outra margem do conflito”.
Agora, leio a narrativa de Domenico Losurdo sobre os últimos 150 anos de história e tem sentido o que ele diz, mas não é fácil mudar de ideia aos 73 anos, pois se estive enganado por tanto tempo, quais são meus outros equívocos que ainda continuam vivos por aí?
Losurdo mostra que as realidades enfrentadas pelas revoluções comunistas (russa, chinesa, vietnamita e cubana) eram situações coloniais de extrema miséria e violência, que precisavam ser superadas imediatamente com o desenvolvimento acelerado dos recursos econômicos e militares para evitar que aqueles países voltassem a ser colônias dos novos imperialistas (Estados Unidos).
Estas realidades sociais e econômicas, diferentes daquelas que previra Marx como propícias ao desenvolvimento do comunismo, levou os dirigentes das revoluções no oriente (Rússia, China e Vietnã) a adotarem adaptações do marxismo, surgindo daí o “marxismo oriental”, com forte componente de luta anticolonialista e anti-imperialista. Segundo Losurdo, a luta anticolonialista foi a característica histórica mais marcante do Século XX. Mais ou menos como na ilustração abaixo.
No entanto, diz ele, os marxistas ocidentais (Arendt, Althusser, Marcuse e outros) não perceberam esta realidade das colônias e adotaram posturas eurocêntricas, passando a desprezar, hostiliza e negar as conquistas revolucionárias na União Soviética e na China. Teriam, por exemplo, minimizado a tremenda evolução da China, que passou de uma colônia miserável no Século 19 para a potência econômica e militar no século 20, e este seria o acontecimento mais importante dos últimos 500 anos. No entanto, os marxistas ocidentais continuam esperando um comunismo de forma utópica e messiânica em função da cultura judaico-cristã e, influenciados pelo liberalismo, passaram a valorizar a liberdade burguesa, criticando o totalitarismo dos países socialistas.
Ao serem obrigados a um estado de guerra permanente anti-imperialista, os revolucionários orientais teriam sido levado a regimes políticos fechados, a ditaduras do partido comunista, mas Losurdo considera que o suposto dilema entre Justiça (igualdade econômica) ou Liberdade (política), seria um falso dilema, pois a liberdade das pessoas em condições de maior igualdade econômica (por exemplo, regimes socialistas) teria um significado diferente da liberdade em países com grande desigualdade econômica (por exemplo, regimes capitalistas). A liberdade burguesa (direito ao voto, opinião) seria diferente da liberdade comunista (direito à saúde, educação, moradia, trabalho e organização política dentro do partido operário). Ele lembra a ironia de que a liberdade burguesa diz que príncipes e mendigos são igualmente proibidos de dormir debaixo da ponte! (Adaptei a ideia no cartum acima).
Losurdo lembra que a democracia burguesa é dominada pelos muito ricos que manipulam os povos com seu poder econômico (que controla votos, opinião, ideologia) e, quando necessário, militar. Como podemos falar em democracia onde existe racismo? -, pergunta ele - (e sexismo estrutural – também pergunto).
Acrescento: os comunistas costumam ser criticados por proporem a ditadura do proletariado (que proíbe a divulgação e organização política com ideias contrárias à revolução socialista), mas a democracia (burguesa) também proíbe a divulgação de ideias e a organização política consideradas antidemocráticas, como o nazismo, por exemplo.
Losurdo entende que as condições de ameaça externa justificaram a restrição da liberdade e a manutenção do Estado militarizado nos países socialistas e a democracia socialista será possível depois da fase de defesa da revolução realizada pela ditadura do proletariado.
Outro tema importante para Losurdo é a mudança que vem ocorrendo na ideologia dominante: a bandeira da supremacia branca (anteriormente usada para justificar o colonialismo) está disfarçada em “valores do Ocidente”, ou seja, a cultura branca e ocidental como origem da única e verdadeira civilização humana. Neste sentido, ver polêmica recente de Thomas L Friedman (do New York Times) publicada na Folha de São Paulo (22/4/22) sobre o Ocidente representar a democracia, enquanto a Rússia e a China (o Oriente) representarem o totalitarismo.
Em conclusão, a revisão histórica de Losurdo mostrou-me que a construção do socialismo não tem tempos fixos, ou etapas predeterminadas, e pode variar suas prioridades e focos de luta de acordo com as condições reais do tempo presente. Neste contexto de diversidade política, toda ação que se oponha à estrutura capitalista-imperialista é uma atitude revolucionária (Marx).
Domenico Losurdo me fez ver o Lor surdo que tenho sido, pois misturei meu sonho de internacionalismo socialista com a globalização liberal (que é a liberdade plena para o capital, que não possui pátria, enquanto os trabalhadores são mantidos presos em suas “nacionalidades” para facilitar a máxima exploração econômica geral). Ou seja, confundi a internacionalização humanista com a hegemonia do capitalismo “ocidental”.
Já comprei outro livro do Losurdo, uma biografia crítica de Stalin.
Depois, preciso rever as histórias de Mao, Ho Chi Min e Fidel...
... rever as críticas no post que escrevi sobre minha viagem a Cuba...
... o que andei escrevendo sobre liberdade e democracia como valores absolutos...
Me aceita no time dos ex-liberaloides, Caetano?
Obrigado pela indicação do livro, Luíza.
Tenho que reler algumas vezes. Muito boa a atitude crítica com autocrítica. Tudo muito demorado para sedimentar. Em frente!
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