A arte e a guerra

 


Nestes últimos dias, enquanto o governo nacional-capitalista russo massacra a Ucrânia e o mundo dá um passo atrás na sua delicada construção da paz verdadeira, aquela que só é possível sem desigualdades, torna-se ainda mais difícil respirar porque não conseguimos esquecer as tragédias das chuvas nem os mortos pela pandemia, apesar de estarmos supostamente em pleno Carnaval.

Neste sentimento de retrocesso, restou-me algum consolo na grande arte, aquela que revela nossas humanidades. Pois foram Almodóvar, Gonzaguinha e Genin que vieram em meu socorro, nesta trincheira emocional em que enfrento Putin e seus asseclas de gravatas enfeitadas com ouro e rifles espalhados pelo mundo.

O filme “Mães paralelas” parece-me feito por um homem que procura ver pelos olhos das mulheres as suas questões mais delicadas e profundas. Almodóvar faz um relato impecável e emocionante sobre duas mães no mundo contemporâneo e suas ligações com a história das mulheres na Espanha massacrada pelos fascistas no século passado. A memória coletiva é o pano de fundo para uma profunda ligação afetiva entre muitas mães e filhas. Um contraponto, superador, amoroso e feminista, a meu ver, para a ambiguidade narrativa de “A filha perdida” baseado no livro de Elena Ferrante.

O filme de Almodóvar veio se juntar à música de Gonzaguinha, repleta do sentimento de luta permanente da minha geração, que reavivou o lema da “resistência ainda que sempre”, gravado na minha surrada camiseta mineira de protesto. As canções da década de oitenta tomaram meus pensamentos ao encontrar a caricatura do Gonzaguinha (acima), feita em cerâmica no incrível livro “Solo” (capa abaixo), do amigo e cartunista Genin [1].

Há mil formas de arte, mas todas têm em comum, necessariamente, a originalidade. Genin conseguiu ser absolutamente original ao reunir três de suas fontes de inspiração: a música, a caricatura e a cerâmica. É um trabalho meticuloso e delicado, que exige a paciência infinita dos grandes projetos. É uma obra que nos encanta pelos vários tempos capturados nela: o tempo da história da música brasileira, o tempo dedicado à revelação da alma dos artistas nos traços da caricatura e o tempo da milenar técnica da cerâmica que Genin usou para nos oferecer sua obra completa, poética e necessária.

Recomposto temporariamente pela arte, encarei os olhos frios de Putin e disse-lhe que ideias não se combatem com armas. Ideias somente são derrotadas por ideias melhores. E a ideia de que um outro mundo é possível tem alcance maior do que todos os mísseis já lançados sobre a Ucrânia.

Acho que aguento respirar mais um dia.



Lor



[1] Quem desejar comprar o livro, basta enviar um e-mail para o Genin livrosologenin@gmail.com , fazer um PIX (CPF 455852886-87) de 70 reais + despesas de envio (20 reais Belo Horizonte, 25 restante do Brasil).


 

 

 


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