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Estava prestes a me misturar à multidão que se aglomerava à entrada do metrô quando pensei que havia esquecido a porta de casa destrancada, mas procurei me acalmar lembrando que já acontecera esta falsa impressão outras vezes e tentei seguir as pessoas que deslizavam pela escada rolante em direção ao subsolo, mas um intenso desconforto físico tomou conta de mim, e uma onda de calor com suor abundante encharcou minha camisa e me fez retornar assim que pude. Caminhei rapidamente o quarteirão e meio entre o apartamento e a estação, usei minha chave para abrir a porta de vidro da entrada principal, acionei o elevador enquanto conferia alguma mensagem nova no celular, apaguei alguns spams até o quinto andar, saí no corredor silencioso e introduzi a tetrachave na porta, sim, estava trancada, e outra vez aborreci-me com minha ansiedade e me perguntei por que vivia fazendo aquilo. Já que havia voltado até ali decidi trocar a camisa suada, abri a porta e desarmei o alarme eletrônico digitando os oito números do código, mais uma daquelas inúmeras senhas que sei de cor e enquanto as souber estarei seguro de que ainda não tenho problemas de memória como aconteceu com minha mãe, e então o sinal verde do equipamento informou que o alarme fora desativado. Enquanto me dirigia ao quarto passei pela cozinha e conferi se todos os bicos de gás estavam corretamente fechados antes que eu ligasse qualquer interruptor de luz, evitando assim uma faísca e o risco de explosão, mas, ótimo, estavam todos na posição certa, aproveitei e toquei de leve a porta da geladeira assegurando-me de que estava bem fechada para não desperdiçar energia e chequei se a porta dos fundos estava devidamente trancada e com a trava passada. Retirei a camisa usada e para evitar mau cheiro e mofo pendurei-a num cabide para secar antes de misturá-la com as outras roupas para lavar, escolhi outra camisa branca no armário pela ordem em que estava pendurada, garantindo assim que todas as roupas passem pelo mesmo ciclo de usar/lavar/passar e não haja envelhecimento desigual entre elas, e levantei a tampa do vaso sanitário com receio de que houvesse esquecido de dar a descarga da última vez que usei, pois encontrar fezes num vaso é algo que me incomoda profundamente, mesmo que elas sejam minhas, pois aquele cheiro que se forma depois de algumas horas me faz lembrar de quando morava com meus avós por causa da doença de minha mãe e meu avô não dava descarga à noite para não acordar minha avó e pela manhã eu tinha que tampar o nariz para não vomitar, e mesmo morando sozinho se encontro fezes no vaso tenho a impressão de que não são minhas e fico com a sensação de que minha casa foi invadida por alguém imundo enquanto eu estava fora. Tranquilizei-me com a água cristalina no fundo do vaso e aproveitei para urinar antes de voltar para o metrô, pois poderia haver alguma demora até chegar no meu trabalho e detesto ficar com vontade de urinar, pois isto retira minha atenção de tudo enquanto só penso em encontrar um banheiro. Dei a descarga, procurei registar este fato na memória de minhas retinas, reapertei as torneiras da pia e do chuveiro, passei pelo escritório e conferi se meu laptop estava desligado, observei se as luzes de todos os cômodos estavam apagadas, acionei o alarme na saída, tranquei a porta da frente certificando-me de que a tetrachave completara as duas voltas até o fim, tomei o elevador e dei uma olhada no correio eletrônico, saí pela porta de vidro que se travou sozinha com um tlac e caminhei uns dez passos quando o celular tocou. Sim, sou eu, respondi. Como? Meu cartão de crédito foi clonado?

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