O sequestro do tempo
A jovem ficou de pé e disse: “Nesta madrugada um grupo de terroristas do Estado Mínimo e atiradores da elite, armados de microfones e mídias subvencionadas, tomaram de assalto a constituição e sequestraram nosso futuro. A partir de hoje, eles pretendem nos prender ao presente nesta imensa desigualdade social e cultivar em nossas mentes a mesmice cotidiana de vidas sem desejo de mudança. Se olharem agora seus celulares o tempo já não passa mais, nenhuma notícia oficial mostrará o momento real em que vivemos, nada encontrarão além de fatos postados há horas e as ideias e projetos coletivos serão transformados em lixo e nossas intenções serão esvaziadas de história para se tornarem lendas urbanas. De nada adiantará procurarmos um calendário, porque todos eles foram confiscados por medida de segurança nacional, já que nada poderemos planejar para amanhã, para depois de amanhã ou para o próximo ano. Os sequestradores do tempo se aproveitaram da nossa fragilidade e em nome do presente imutável pela ordem do progresso revogaram algumas duras quase conquistas do passado, como a liberdade de amar, a igualdade feminina, o direito ao corpo e o fim da escravidão. Os agentes financeiros que invadiram nossa vida e ampliaram seu poder nesta madrugada, já anunciaram violenta repressão a todos que ousarem respirar em protesto e os adolescentes invasores de escolas públicas seremos presos e condenados à TV em solitárias e sofás domésticos até o momento mais adequado ao mercado para sermos transformados em cartões de créditos e produtos eletrônicos. Então, temos que escolher: aqueles a quem o medo faz aceitarem o congelamento do tempo pelos piratas da legalidade podem se retirar pacificamente desta ocupação e entregar seus sonhos na portaria. Quem permanecer precisará manter os olhos levantados para o horizonte, porque além daqueles muros o amanhã continuará existindo, a história não acabou. Nada temos a perder, a não ser a nossa esperança. ” Alguns se abraçaram em despedida. Outros começaram a caminhar em direção ao paredão construído com as pedras da lei, as tribunas de parlamentares, as barras de tribunais, os orçamentos de ministérios, as bombas de gás lacrimogênio, os milhares de policiais, seus brutos cassetetes e as duras balas de borracha. Apenas alguns raios de sol atravessam por frestas mínimas a fria barreira organizada por ternos, togas e uniformes militares, mas são suficientes para que todos saibam a direção da luz.
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