Poder-se-ia?

Eu poderia dizer que abracei sua grande esperança de um mundo mais justo na plenipotência de minha juventude ao compreender sua causa desesperada diante da natureza cruel das elites que jamais irão compartilhar com os pobres sequer as migalhas que sobram de suas mesas fartas preferindo distribuí-las a seus cães amestrados a que chamam por nomes carinhosos como república, parlamento, justiça e polícia.

Tu poderias argumentar que nada do que foi sonhado por você se realizou além do fato de não haver uma só criança dormindo ao relento numa certa ilha do Caribe porque todas elas puderam aprender a ler e foram vacinadas e sabem onde fica a cidade da Síria onde são mortas diariamente centenas de outras crianças bombardeadas por uma coalizão de governos chamados democráticos que permanecem com milhares de ogivas nucleares apontadas um para o outro.

Ele poderia discordar da sua insistência no tema pátria e preferir a grande frátria onde não haveria uma fronteira sequer para separar a liberdade de opinião da igualdade econômica porque não é possível ser livre com fome ou sem um teto para se abrigar da chuva ácida que despenca dos céus trazendo a poluição que você nunca ajudou a aumentar por causa dos embargos comerciais do grande fumacê do Norte.

Nós poderíamos reclamar porque você apoiou coisas horrendas como as pragas da antiga Tchecoslováquia em troca de mais um petroleiro para abastecer a chama da vida sitiada na sua ilha enquanto enviava milhares de voluntários convocados em nome da solidariedade para outras terras afro-americanas onde deveriam fazer curativos em milhões de amputados pelas guerras coloniais ainda que fosse com meros bandaids e médicos de pés descalços.

Vós poderíeis cobrar por tudo o que a realidade nos mostra a menos do que o prometido e exibir a fatura em boletos impressos nos guardanapos de papel manchados de cachaça de salinas ou côte-du-rhone da safra 1986 que foram sectariamente elaborados naqueles tratados estratégicos que organizaram o fim do mundo em botequins na praia de Ipanema ou na praça da Savassi e de onde se baniu para sempre o populismo em nome da radicalidade e da lucidez.

Nós poderíamos ter vivido quase a mesma vida sem você porque as complexas engrenagens da humanidade não se importam muito com os indivíduos incluindo aqueles que se absolvem previamente diante da história e juntam coragens para enfrentar as improbabilidades ao queimar pontes e afundar cruzadores gringos com um petardo quase impotente de um velho tanque de guerra surrupiado ao inimigo e gritar Viva Cuba!

Poderíamos ser diferentes, mas fomos assim.




LOR 26 11 16

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