Constelações na lama
Encaixo
a folha seca nos ferros da minha bicicleta,
a
branca, do Natal de 1959,
quando
meu avô se dizia juscelinista e meu pai lacerdista,
e
pedalo zunindo como uma cigarra para o Parque Novo.
Atravesso
a ponte sobre o ribeirão Mumbuca,
que
desce mansinho das matas ciliares,
inocente
de lixos, plásticos, nylons,
enchentes
e tragédias.
As
marcas dos pneus na terra úmida
formam
arcos, espirais e elipses zodiacais,
constelando
o chão em galáxias verossímeis
num
universo que sinto infinito e em expansão.
Pedais,
músculos e cérebro me obedecem sem dor,
e
confio nas manobras que faço com meu corpo,
derrapando
nas bordas de um buraco negro,
que
ameaça me devorar nas entranhas de um colégio interno.
As
sombras multifolhas das árvores ao redor,
sem
as pragas daninhas dos aquecimentos globais,
acrescentam
nebulosas ao berçário de estrelas
que
o barro esmagado transforma em nuvens de fumaça e carbono.
Cruzando
o sistema solar como um cometa,
não
me dou conta das bombas lançadas em direção ao futuro,
repletas
de tecnologias, socialdemocracias e cinemas,
onde
os mocinhos e bandidos são em brancos e pretos.
Das
mulheres, afastadas dessa brincadeira de construir astros,
percebo
ao longe as ordens domesticadas de minha mãe,
os
resmungos de minha irmã no seu quarto & rádio
e
os sentimentos indecifráveis das meninas.
Descubro que estou sonhando
porque,
naquele verão de 1959,
eu
desconhecia os tantos disfarces do mundo
e
vivia no equilíbrio ilusório da bicicleta em movimento.
Tento
parar o despertador no celular
que
alerta
sobre
nova ameaça nuclear
nova
onda de calor
novo
golpe de estado
nova
pandemia
um
novo algoritmo
que
gera velhos assustados
como
eu.
Maravilhosamente perfeito, mano!
ResponderExcluirNossa! Que coisa mais linda, tocante.
ResponderExcluirAssustados estamos todos, .mas velhos, só amanhã, apesar das ziguiziras. Em reunião de formandos, na Carumbé Serra do Cipó. Assustado tb com a notícia desses últimos dias, da Guerra Química do agro contra vizinhos pequenos. Boa noite
ResponderExcluirLor, sensacional. Bonito, melancólico e lúcido. Meu amigo, vc ainda anda na bicicleta serpenteando palavras de dor que nos torna mais fortes, procurando uns aos outros, os que ousam equilibrar-se na esperança da poesia. Chico Marinho
ResponderExcluirNuuuuuuuu
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