Andropausa


Charge dedicada à minha médica 
Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues

Depois de ultrapassar os 90 anos, minha avó Maria morava num quarto na casa de meus pais e sempre que alguém se aproximava ela se queixava de dores nas mãos, nas pernas e nas costas, surdez, vista ruim, esquecimento e solidão - porque todas as pessoas que conhecera já haviam morrido. 

Ao final de alguns minutos de lamúrias, geralmente ela estava aos prantos, numa tristeza profunda, da qual parecia impossível ser resgatada. Assim, o impulso natural da maioria das pessoas da família era permanecer pouco tempo ao seu lado ou tentar convencer vovó do contrário, de que ela iria melhorar, de que estava tudo bem... inutilmente, é claro.

Um dia, depois de ouvir com atenção os seus lamentos por algum tempo, disse-lhe com toda a sinceridade:

- Assim, é melhor morrer, não é vovó?

Ela olhou-me, parecendo considerar seriamente aquela alternativa e disse:

- Mas... eu como bem, durmo bem, o intestino funciona bem...

Alguns minutos depois, o choro interrompido, ela estava relembrando algumas músicas de sua juventude - que eu tentava acompanhá-la ao violão – quando minha irmã Helena entrou e se deparou com aquela cena inédita.

- O que você fez com a vovó?!

Respondi:

- Concordei com ela.

E vovó sorriu para mim.





Pintura a óleo sobre a Amazônia na camiseta: Thalma

Ps: esqueci do cálculo renal, 
da ictiose vulgar, do descolamento do vítreo no olho esquerdo, dos múltiplos nódulos benignos na tireoide…

Por outro lado, nunca tive o diagnóstico de hipocondria.




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