Haddad, a rainha e eu
Lendo o Haddad e lembrando-me do cruel colonialismo racista inglês, mas incapaz de fugir do noticiário, insuportavelmente piegas, sobre o funeral da rainha, fiquei pensando como este espetáculo fúnebre de mídia (- Puta case de investimento em turismo, mêu! – diria o Duvivier) demonstra a hegemonia da língua-nação-religião anglo-saxônica cristã supremacista branca. Foram inumeráveis os depoimentos de pessoas brancas (britânicas ou não) às lágrimas, revelando seu amor (próprio) pela rainha, a quem agradecem por tudo que ela fez pela humanidade (leia-se Imperialismo Britânico).
Um certo desânimo tomou conta de minha esperança (num mundo melhor) ao ver a multidão esperando na fila por horas para estar presente ao “momento histórico” da passagem do caixão com o corpo da rainha longeva (nem por isso, minha tia Maria Helena, com 98 anos presenciou as mesmas coisas que Elizabeth, mas com mais poesia e sem as crueldades cometidas pela rainha das colônias, onde eram enforcados, sem a sua clemência, os rebeldes que pediam a independência).
No entanto, redimensionando o tamanho dos fanáticos pela monarquia (uma forma organizada e ainda legalizada de racismo), suponho que não passem dos 10 a 30% de reacionários (como os bolsonaristas) que ainda existem em diversos países, os quais espero que sejam reduzidos à insignificância ideológica com mais tempo de civilização (se tivermos esse tempo, lembrou-me um sabiá ao lado, desesperado com a mudança climática).
Mas o que eu queria mesmo é falar sobre o livro do Haddad.
Querido Fernando, fiquei admirado com várias coisas em seu livro. Primeiro, sua natureza democrática, sua capacidade de dar voz a todas as correntes de pensamento que teve acesso e, quando discorda, de ser capaz de escrever com elegância para contestá-las com educação, delicadeza, sem raiva, sem pressa.
Segundo, impressionou-me a quantidade de autores que você citou, a maioria da área de “humanas” (Duvivier novamente) e completamente desconhecida para mim. Os poucos que pude reconhecer são da área biológica e foram os momentos em que talvez eu tenha compreendido um pouco seus argumentos. Na maior parte do livro tive grande dificuldade na leitura, especialmente quando você citava até sete autores diferentes numa mesma frase. Minha mente quase cartesiana não dá conta de tanta reviravolta conceitual num único parágrafo.
Sim, foi muito difícil entender a sua proposta por causa do formato erudito. Para você ver, não consigo dizer exatamente quem (ou o quê) é o Terceiro Excluído, veja o grau de minha ignorança. Quando eu ia desistindo, eis que surge uma referência sua admirada (como eu) pela genialidade de Humboldt (ver aqui meu post anterior sobre ele)! Aí, você me agarrou na leitura até o final.
De qualquer forma, peço-lhe, noutra hora vaga dessas que você tiver (entre o governo de São Paulo e a candidatura para Presidente), que faça uma tradução do seu livro para os leitores médios como eu. A gente quer saber, a gente quer comida e arte.
Sei que para quem é da academia (especialmente paulistana) é muito difícil sair do jargão erudito. Eu mesmo levei dez anos para reduzir meu medicinês e escrever de forma simples e direta para as famílias dos meus pacientes (ver aqui meu blog como médico).
Assim, fica o meu pedido: esclareça-me, porque quero entender sua ideia, confio em você, na sua honestidade intelectual e no seu compromisso com a cultura brasileira.
Com admiração,
Lor
PS: senti falta do Domenico Losurdo nas suas leituras e referências. Gostaria de saber o que você pensa sobre ele.
Como sempre,texto,brilhante,elucidativo,gostoso de ler.Obrigada pelas luzes.
ResponderExcluirGostei muito da leitura. Sobre Haddad, o perdemos em momento crucial. Será que o merecemos?
ResponderExcluirAdmirável texto (qual não é?)...despertou-me p a leitura em busca do "Terceiro Excluído "...grato, Luiz Alexandre Barcellos
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