A vida como ela pode ser – Parte 2 de 5

 



Continuação da conversa sobre a origem da vida entre um cientista do micro e outro do macrocosmo, com palpites e ilustrações de um cartunista (e médico).

Terminamos ontem com minha pergunta dirigida ao Romeu e ao Ivo sobre o sentido da vida. Começamos com a resposta do Romeu.

ROMEU GUIMARÃES - Gostei sim, da (sua) definição de vida. "O processo (ontogenético, adaptativo e evolutivo) desempenhado pelos seres vivos". Assim, a definição (agora) recai sobre "o que são os seres vivos" – sistemas metabólicos nucleoproteicos.

Neste caso, vale a proposta do Sísifo: todo dia reconstruir o que havia sido feito, infinitamente.

Aí entra o problema de caracterizar o processo: o biológico tem a estrutura da biodiversidade arbórea; o físico tem a estrutura da queda lenta entrópica.

Figura 1 – Esquema arbóreo da evolução desenhado por Darwin.


Nada animador, mas acho que a ideia (da vida como um processo) evolutiva é muito recente e que deve haver algum sentido ainda a ser descoberto.

Apresento a vocês um texto mais detalhado sobre o que imagino que a vida pode ser (ver ao final o texto completo). Deste textão, posso resumir o seguinte:

a) Entendo que vida é substantivo abstrato e, ainda mais difícil, é propriedade dinâmica, pois resulta ou descreve as atividades dos seres vivos. Estes sim, são objetos concretos, e parece que nossa mente está mais bem preparada para entendê-los.

b) Tento um conceito bem sucinto de evolução, mas que poderá ser estendido a todos seres vivos. Indico quatro características essenciais. O ser vivo é (1) um sistema de fluxo metabólico (2) sustentado por ambientes adequados, que: (3) se constrói e regenera com base em memórias genéticas, (4) se adapta com base em plasticidade e (5) evolui por seleção sobre populações através de reprodução diferencial dos indivíduos.




Figura 2 – A vida, segundo Romeu.

a) Sabendo-se que os seres vivos se reproduzem em continuidade, de célula para célula, e que todos os conhecidos compõem uma única linhagem (de composição nucleoproteica, DNA / RNA / proteína), conclui-se que o processo vital é um contínuo ininterrupto com tais – novamente, quase inimagináveis – qualidades de robustez. O termo correlato, mais da moda – resiliência – também serve para configurar o quase-paradoxo da combinação de fragilidade individual (da vida) com superação pela ´força´ da evolução (mantendo a vida “eterna”).

b) Lembro um evento evolutivo a ser tratado oportunamente – considerado “a maior crise de todos os tempos”, a crise do oxigênio, para fazer contraponto com a atual, a crise dos gases de efeito estufa.

c) Vamos elaborando com facilidade a lista de nossas qualidades humanas, mas é necessário também lembrar os problemas, que não são poucos. Cito somente três, todos relacionados entre si e com nossas interações ecológicas. Somos degradadores do ambiente, porcalhões – acumuladores de lixo, e predadores-especialistas no mais alto grau.



LOR - Seu texto completo (ver adiante) ampliou imensamente esta discussão sobre o que é a vida.

Entre as muitas questões que você traz, pergunto se não existiriam seres vivos isoladamente, mas sim um processo vital em andamento, um fluxo de rearranjo da energia? Interrompido o fluxo, acabaria a vida e aquela quantidade de matéria retornaria, então, ao seu estado de decaimento original de energia, de acordo com a entropia.

Dito em outras palavras, a atração atômica e gravitacional poderia ter agrupado a matéria em determinado arranjo probabilístico, o que teria aumentado a sua complexidade, da qual teriam emergido estruturas parcial e temporariamente resistentes à entropia: a vida?

Portanto, seria a vida um efeito colateral que emergiu da complexidade de corpos físicos agrupados como resultado da atração da matéria?



3 - ROMEU

Parece correto, mas merece detalhes. Vai ser bom ouvirmos o Ivo Busko, pois o que tenho a oferecer, que é pouco, é como biólogo.

O processo evolutivo parece ser mesmo um só. O processo e panorama de fundo é chamado de Auto-Organização da matéria (matéria é o conjunto de massas e energias). Começaria muito energético e condensado, expandindo-se e resfriando. Ao resfriar, possibilita recondensações pontuais, formando heterogeneidades (corpos ou entidades, no espaço tempo). As condensações são dirigidas por alguns tipos de interações (p. ex., forças e energias), como as eletromagnéticas de cargas opostas, as interações nucleares (forte e fraca).

Quando as massas adquirem tamanhos grandes, a interação gravitacional se torna mais importante. Dentre os objetos formados, conhecemos algo sobre os chamados bariônicos, a matéria comum de nosso entorno, mas conhecemos muito pouco sobre os componentes escuros, que são a maior parte.

Figura 4 – Diagrama da progressão da complexidade na origem da vida



A evolução da matéria bariônica pode ser descrita com recurso à 2ª lei da termodinâmica: a cada realização interativa ou trabalho, sempre uma parcela é perdida, talvez em forma de calor (p. ex., por atrito). Por isso, se diz da tendência para estado entrópico, onde a variedade de entidades é muito grande e as energias poucas e interagindo todos com todos, por isso sem direções preferenciais, tudo morno-frio, devagar quase parando.

Nos estados intermediários, as interações seguem os gradientes de energias e de massas. A cada interação, abrandam-se e amortecem-se algumas energias-livres, mas sempre resta alguma, que mantém o processo indefinidamente. Pergunto ao Ivo se ao longo desse processo, poder-se-ia formar matéria escura, com propriedades que se tornam inacessíveis a nós e nossos instrumentos bariônicos. Existem medidas da quantidade de matéria e energia escuras ao longo do tempo?

Estados mais estáveis são os bariônicos de nosso contato comum, como átomos, moléculas, cristais etc. Cada um dos tipos de estados estáveis recebe seu nome próprio, incluindo os que chamamos de vivos: sistemas metabólicos nucleoproteicos. A estabilidade destes é parcial e temporária, mas o processo evolutivo próprio deles (que inclui o darwiniano, reprodução diferencial) é muuuito forte, durando já 4Ga (dos 13.75 do universo >25% e 4.6 da Terra >80%).

Eu acho interessante dar nomes às entidades que observamos, incluindo os seres vivos. Vida seria, então, um segmento especial do processo evolutivo universal, fadado à extinção, seguindo a tendência entrópica.

No entanto, tudo é descrito e observado por nós, jovens habitantes deste mundão, e nada é definitivo. Portanto...... Ficamos com duas opções, que podem ser complementares: o processo evolutivo da matéria gerou os seres vivos e o subprocesso vida:

(1) logo, vida é um capítulo da física, porque seu surgimento estava incluído no processo universal;

(2) logo, vida não é um capítulo da física, porque tem características que são contingentes e próprias dela, não estavam previstas naquela, só seriam possibilidades que dependeram de contextos particulares, p. ex., os terráqueos.

Teste das hipóteses: verificar se o processo vida ocorreu mais de uma vez. Se sim, reforça a hipótese 1. Enquanto não se puder contar quantas vezes surgiu o processo, permanece a hipótese 2?


Veja amanhã a resposta do IVO.


 




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