Tênues esperanças



A caminho da sala de partos para o nascimento de nossa primeira filha, Thalma perguntou se não era loucura nossa colocarmos uma criança num mundo como aquele em que vivíamos. Era época da Guerra Fria com sua permanente ameaça de um holocausto nuclear, a ditadura militar brasileira estava a pleno vapor assassinando opositores e a destruição do ambiente já preocupava, apesar do aquecimento global ainda não ter se tornado uma realidade manifesta.

Contornamos com um pouco de humor o nosso medo naquele momento, lembrando que talvez fosse um pouco tarde para pensarmos naquela questão.

Apesar da gravidade da situação do planeta para além dos muros da Maternidade Otaviano Neves, onde nascia a Ana, havia a sincera esperança em nossos corações de que venceríamos todas aquelas ameaças com nossa militância progressista e poderíamos construir para nossa filha um mundo melhor.

Quarenta e dois anos se passaram e parece que uma parte de minha geração perdeu as lutas que travamos em defesa da paz, contra o autoritarismo e a destruição do meio ambiente.

Neste período testemunhamos novos genocídios (Bálcãs, Ruanda, Myanmar), novas guerras (Iraque, Afeganistão e Síria), desmatamento de mais de 20% da Amazônia, aumento de 1,5 graus Celsius na temperatura da Terra, desastre de Chernobyl, vazamentos gigantescos de petróleo nos mares, rompimentos criminosos de barragens de rejeitos de minério, crescimento do fanatismo religioso, milhões de refugiados perambulando pelo mundo, explosão da cruel desigualdade de renda e disseminação do ódio fascista na convivência humana.

Retornamos à retórica da Guerra Fria entre Estados Unidos, Rússia e China, novos modelos de proto-ditadores estão se espalhando pelos países e corroendo a democracia por dentro e a mudança climática já começou a cobrar o seu preço.

Perceber que minha geração está perdendo as lutas contra a guerra, a opressão e a devastação do ambiente é reconhecer que as forças humanas em sentido contrário são maiores do que ingenuamente imaginávamos ou que erramos em alguma parte de nossa luta, ou seja, não soubemos como fazer aquele sonhado mundo melhor.

Meu sentimento é de tristeza e vergonha diante das crianças, de minhas netas e netos, em especial, pelo mundo que, mesmo na minha insignificante parcela de responsabilidade, estou deixando para as novas gerações.

Alguns acham que não dá mais tempo para evitar a escalada de sofrimento humano inimaginável que nos reserva o futuro, cujos primeiros sinais já estamos enfrentando com o aumento das secas, incêndios, guerras e a crise dos refugiados.

Minhas tênues esperanças neste momento são que as pressões comerciais internacionais contenham o ímpeto destrutivo do governo Bolsonaro e que Trump não seja reeleito para que, quem sabe, ocorra um efeito cascata sobre os demais países e recuperemos um pouco do bom senso ao tomarmos consciência de que já somos uma espécie ameaçada de dolorosa extinção pelas próprias mãos.


Alguém a caminho da sala de partos, por favor, não me repita a pergunta da Thalma.





 

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