A opção




Algumas pessoas queridas responderam ao meu post de ontem (VER AQUI) com mensagens de carinho e apoio à minha tristeza e vergonha pelo mundo que estamos deixando para as próximas gerações.

Meu desânimo se dá numa semana em que Trump e Irã quase começaram uma guerra, as geleiras do Himalaia atingiram 25% de redução (um BILHÃO de pessoas dependem da água que desce delas para viverem) e Bolsonaro sugeriu em Santa Maria que a população use armas para defender o governo dele.

Neste clima de más notícias, as mensagens que recebi, desde as enviadas por meu irmão e irmãs até amigos de várias gerações, foram uma reação amorosa que mobiliza meus pensamentos numa direção mais otimista.

A maioria das mensagens lembra que, para quem tem filhos (ou netos) ou trabalha com crianças, não há outra opção além de mantermos a esperança de que será possível um mundo melhor e q
ue devemos continuar lutando por alcançá-lo.

Destaco abaixo alguns dos sentimentos que o post provocou: a citação do Mujica resgatada pelo compadre Leonardo Diniz, o testemunho emocionante do amigo Luciano Prado e o poema enviado pelo amigo Eduardo Gontijo.

Obrigado a todas
e todos por reavivarem a chama da esperança no meu coração.

Leonardo:

“Compadre: muito legítima a sua desolação com o mundo, da qual compartilho. Como interessado na História, a tenho estudado e incluído nesse estudo a observação "in loco", nas poucas vezes em que isso foi possível, dos lugares onde ocorreram fatos importantes. Aprendi que o mundo jamais foi significativamente melhor do que é na atualidade, salvo no nosso imaginário. E ainda tive a oportunidade de ouvir do próprio Pepe Mujica que só existe um tipo de derrotado, o que nunca lutou. E com Cervantes, que os moinhos são, de fato, gigantes que devemos enfrentar em feroz e desigual combate, sempre, e que quem teme a luta, tem para sua maior segurança e nosso alívio, que se retirar para longe e se pôr em oração. ”

Luciano:

“Esse momento eu vivi várias vezes, num verão no sul da Alemanha, quando colocava Ana Maria para dormir, persianas fechadas para quebrar a claridade das noites claras de verão, e eu acariciando aquele anjinho puro, simples, adormecendo. Eu me perguntava: como vou contar para ela que o mundo está feio, que o mundo está cheio de maldades. Ocorria naquela época a guerra da Iugoslávia, o massacre de Srebreniča, os estupros coletivos, o cerco de Sarajevo e o genocídio, humanos matando humanos, e em massa. Fiquei muito aliviado quando Ana Maria começou a gostar de romances policiais. Era a fantasia, mas eu não precisava mais explicar as coisas feias do mundo. Hoje tenho uma ambientalista em casa (Cecília Barreto), mãe de minhas filhas. Que vive trazendo tamanduás (e outros bichos estranhos) para casa, porque o IBAMA muitas vezes não tem recursos para tratadores nos fins de semana. Alguém que, morando sozinha na Amazônia, comprava comida para os peixes-boi do próprio salário, porque o chefe desviava os recursos (e que um mês depois que ela voltou para Belo Horizonte, saiu no Fantástico, foi preso por corrupção). Cecília é alguém que, chefe do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, no norte de Minas, treinava voluntários para o combate ao fogo florestal. E que me explicou porque o fogo numa vereda pode ser extremamente perigoso. E que sobrevoou o Rio Doce de helicóptero para ver o que dava para salvar, acampada por dias (depois do rompimento de barragem da Vale) em Mariana. O que eu quero dizer com isso: eu tenho um orgulho enorme dela ser minha mulher. Que cada labareda (apagada) e cada tamanduá valem a pena. Que vocês não estão sozinhos na batalha. E que a batalha sempre existirá, nunca haverá um vencedor, mas que a luta é necessária e vale a pena ser travada. E vamos torcer para os embargos aos produtos do agronegócio brasileiro. Só assim, doendo no bolso, o pessoal acorda. ”



Eduardo Gontijo:
Os Portadores de Sonhos
Gioconda Belli

Em todas as profecias está prevista a destruição do mundo.
Todas as profecias dizem que o homem criará sua própria destruição.
Porem os séculos e a vida que sempre se renovam criariam também
uma geração de amantes e sonhadores; homens e mulheres que não sonharam com a destruição do mundo, e sim com a construção do mundo das mariposas e dos rouxinóis.
Desde pequeninos vinham marcados pelo amor.
Por trás de sua aparência cotidiana guardavam a ternura e o sol da meia-noite.
Suas mães os encontraram chorando por um pássaro morto e mais tarde muitos foram encontrados mortos como pássaros.
Estes seres coabitaram com mulheres translúcidas e elas ficaram prenhes de mel e de filhos reverdecidos por um inverno de carícias.
Foi assim que proliferaram no mundo os portadores de sonhos, atacados ferozmente pelos portadores de profecias que falavam de catástrofes.
Foram chamados iludidos, românticos, pensadores de utopias, disseram que suas palavras eram velhas -e de fato eram porque a memória do paraíso é antiga no coração do homem - os acumuladores de riquezas os temiam e lançavam seus exércitos contra eles, mas os portadores de sonhos faziam amor todas as noites e do seu ventre brotava a semente que não somente portava sonhos mas que os multiplicavam e os fazia correr e falar.
E assim o mundo criou de novo a sua vida da mesma forma que havia criado os que inventaram a maneira de apagar o sol.
Os portadores de sonhos sobreviveram aos climas gélidos e nos climas quentes pareciam brotar por geração espontânea.
Quem sabe as palmeiras, os céus azuis, as chuvas torrenciais tiveram a ver com isso, a verdade é que, como formiguinhas operárias estes espécimes não deixavam de sonhar e construir mundos formosos, mundo de irmãos, de homens e mulheres que se chamavam companheiros, que se ensinavam a ler uns aos outros, consolavam-se diante da morte, se curavam e se cuidavam entre si, se ajudavam na arte de querer e na defesa da felicidade.
Eram felizes em seu mundo de açúcar e de vento e de todas as partes vinha gente impregnar-se de alento e de suas claras percepções e de lá partiam os que os haviam conhecido portando sonhos, sonhando com novas profecias que falavam de tempos de mariposas e rouxinóis, onde o mundo não haveria de findar na hecatombe mas onde os cientistas desenhariam fontes, jardins, brinquedos surpreendentes para fazer mais gostosa a felicidade do homem.
São perigosos - imprimiam as grandes rotativas
São perigosos - diziam os presidentes em seus discursos
São perigosos - murmuravam os artífices da guerra
Devem ser destruídos - imprimiam as grandes rotativas
Devem ser destruídos - diziam os presidentes em seus discursos
Devem ser destruídos - murmuravam os artífices da guerra.
Os portadores de sonhos conheciam seu poder e por isso nada achavam de estranho
E sabiam também que a vida os havia criado para proteger-se da morte que as profecias anunciam.
E por isso defendiam sua vida até a morte
E por isso cultivavam os jardins de sonhos e os exportavam com grandes laços coloridos e os profetas obscuros passavam noites e dias inteiros vigiando as passagens e os caminhos procurando essas cargas perigosas que nunca conseguiram encontrar porque quem não tem olhos para sonhar não enxerga os sonhos nem de dia, nem de noite.
E no mundo sucedeu um grande tráfico de sonhos que os traficantes da morte não podiam estancar; em todas as partes há pacotes com laços de fita que só esta nova raça de homens pode ver e a semente destes sonhos não se pode detectar porque está envolta em corações vermelhos ou em amplos vestidos de maternidade onde pezinhos sonhadores sapateiam nos ventres que os carregam.
Dizem que a terra depois de os haver parido desencadeou um céu de arco-íris e soprou de fecundidade as raízes das árvores.
Nós sabemos que os vimos, Sabemos que a vida os criou para proteger-se da morte que as profecias anunciam.


Tradução: Celso Japiassu.






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