ALTER EGO
Não o empurrei! Tenho certeza. Ele escorregou, perdeu o equilíbrio, sei lá, o máximo que fiz foi assustá-lo um pouco, talvez, quando entrei na sua frente com o Sadam no colo e o velho arregalou os olhos, levou as mãos ao rosto, o Sadam começou a latir e ouvi um ruído forte e depois o homem ficou esparramado no meio da rua ao ser atingido pelo carro, que parou um pouco adiante e do qual saíram umas pessoas gritando. Afastei-me rapidamente e entrei no meu prédio sem olhar para trás, como se não tivesse visto nada. Não tive culpa, não gosto daquele velho, mas não fiz nada de errado.
Coloquei Sadam na área de serviço e abri uma fresta na cortina da sala que dá para a rua, onde um aglomerado de pessoas circundava o velho caído, algumas no celular, outras agachadas perto dele, e eu só via uma de suas pernas e o tênis azul e amarelo. Uma ambulância chegou e dela saíram os paramédicos que correram até o homem caído pedindo para que todos se afastassem. Em movimentos rápidos colocaram o velho na padiola, ele deve ter uns setenta anos ou mais, pensei, e o levaram para a ambulância que se afastou em seguida com a sirene aberta e as pessoas foram se dispersando, mas duas delas apontaram em direção ao meu prédio enquanto conversavam e olharam para os andares um a um. Afastei-me discretamente da janela sem mover a cortina. Não tive culpa, mas não precisava me expor àquelas pessoas, não iria chegar lá e dizer, olha, eu queria dar uma bronca nesse cara, mas não toquei nele! Ele caiu sozinho, de velho.
Na certa, alguém iria perguntar que bronca que eu tinha com o atropelado? Outro dia ele me humilhou na frente dos meus meninos, só isso, e seria o bastante para dar uma porrada na cara dele, mas na hora fiquei sem reação, vacilei, os meninos só me olharam, tipo você não vai fazer nada, pai? Não vale a pena dar uma lição nesse... é um pobre coitado, resmunguei para meus filhos, mas com o coração já latejando de raiva, enquanto o velho continuava sua caminhada de passos miudinhos como se tentasse correr e não conseguisse. Sadam continuara latindo para ele, mas não se aproximara mais depois que o velho gritou comigo ameaçando dar um chute nele se continuasse tentando morder sua canela. Antes disso, ao ver o susto do homem, meus meninos e eu rimos é claro, porque sabemos que o Sadam é mansinho, não faz nada com ninguém, estava só brincando de pegar a meia, como ele faz com a gente.
A gente havia acabado de chegar do clube, eu estava recolhendo as roupas de mergulho e desci da caminhonete quando o Sadam saltou da carroceria direto para as pernas do velho que vinha trotando pela borda do meio fio, como já vi ele fazer outras vezes pelas ruas de nosso bairro. Deve ser um daqueles aposentados que moram na parte mais antiga do loteamento, mais perto do córrego, que resistiram e não venderam suas casas básicas para a construção dos prédios mais novos como o meu. Tem uma turma de velhos e velhas como ele que fazem caminhada pelas ruas, com aquela pinta de terem sido funcionários públicos, um desses burocratas que atazanam a vida da gente durante uns trinta anos e depois vão esperar a morte diante de uma televisão sem nem prestar atenção. Uns inúteis.
Além disso, aquele o velho não deve gostar de cachorros, porque se gostasse o Sadam saberia, os cães sabem direitinho quem gosta deles, deve ser pelo cheiro de medo ou raiva que a pessoa exala, sei lá, ele teria falado de forma amistosa com o Sadam ou teria brincado com o bichinho e ele e não ficado irritado tentando morder aquela perna magrela, sem músculos e sem pelos. Péssimo gosto, hem Sadam? E alguém que não gosta de animais, principalmente de cães, não pode ser boa pessoa e os animais percebem sua ruindade e também não gostam delas. Gente que também não deve gostar de crianças, da vida... têm inveja da juventude, de quem ainda pode trepar sem ter que usar viagra. Uns brochas invejosos que continuam vivos sem saber o porquê.
Eu não o empurrei, não encostei um dedo nele, foi ele que desequilibrou para o lado da rua e foi atropelado porque na idade dele velho devia ficar em casa quietinho na frente da televisão coçando as pelancas e não bancando o besta nessa corridinha ridícula. Não vou dizer que estou preocupado com ele, não vou mentir, acho que ele deve ter apenas quebrado algum osso, vai passar uns dias engessado, talvez, nada de grave, aposto que foi mais drama e fingimento do que machucado mesmo. Assustar com o latido de um cãozinho no colo do dono? Ah, merece uns dias no hospital.
Tenho quase certeza que ninguém me viu me aproximando daquele velho, porque foi tudo muito rápido e a rua estava praticamente vazia. No máximo, sob algum ângulo de visão de dentro do carro que o atropelou, talvez uma daquelas pessoas que saíram gritando possa ter me visto por trás dele, mas ninguém diria que eu o empurrei, claro que não, eu estava com o Sadam no colo, com as duas mãos segurando meu cachorrinho. E eu saí de cena rapidinho. Mas mesmo que alguém dissesse à polícia que eu estava perto dele quando caiu, quem prova isso? Aliás, a polícia nem apareceu por ali.
E o velho, será que estava consciente na hora que o puseram na ambulância? Será que ele disse alguma coisa? Tomara que tenha apagado, que tenha dado amnésia, espero... porque um filho da puta como ele, um velho aposentado inútil que não gosta de crianças nem de cachorro, um mau caráter e sacana como ele pode muito bem mentir dizendo que eu o empurrei, para tentar tomar na justiça um pouco do dinheiro que ele imagina que eu tenho. Mas mesmo que ele abra o bico, em quem a polícia iria acreditar? Num bosta como ele ou num cara bem relacionado como eu? E se a gente for parar na justiça, ele está fodido comigo e vai morrer antes que eu dê um centavo ele ou para sua viúva idiota.
Sadam, vem, vamos dar uma volta para você fazer seu cocô.
Coloquei Sadam na área de serviço e abri uma fresta na cortina da sala que dá para a rua, onde um aglomerado de pessoas circundava o velho caído, algumas no celular, outras agachadas perto dele, e eu só via uma de suas pernas e o tênis azul e amarelo. Uma ambulância chegou e dela saíram os paramédicos que correram até o homem caído pedindo para que todos se afastassem. Em movimentos rápidos colocaram o velho na padiola, ele deve ter uns setenta anos ou mais, pensei, e o levaram para a ambulância que se afastou em seguida com a sirene aberta e as pessoas foram se dispersando, mas duas delas apontaram em direção ao meu prédio enquanto conversavam e olharam para os andares um a um. Afastei-me discretamente da janela sem mover a cortina. Não tive culpa, mas não precisava me expor àquelas pessoas, não iria chegar lá e dizer, olha, eu queria dar uma bronca nesse cara, mas não toquei nele! Ele caiu sozinho, de velho.
Na certa, alguém iria perguntar que bronca que eu tinha com o atropelado? Outro dia ele me humilhou na frente dos meus meninos, só isso, e seria o bastante para dar uma porrada na cara dele, mas na hora fiquei sem reação, vacilei, os meninos só me olharam, tipo você não vai fazer nada, pai? Não vale a pena dar uma lição nesse... é um pobre coitado, resmunguei para meus filhos, mas com o coração já latejando de raiva, enquanto o velho continuava sua caminhada de passos miudinhos como se tentasse correr e não conseguisse. Sadam continuara latindo para ele, mas não se aproximara mais depois que o velho gritou comigo ameaçando dar um chute nele se continuasse tentando morder sua canela. Antes disso, ao ver o susto do homem, meus meninos e eu rimos é claro, porque sabemos que o Sadam é mansinho, não faz nada com ninguém, estava só brincando de pegar a meia, como ele faz com a gente.
A gente havia acabado de chegar do clube, eu estava recolhendo as roupas de mergulho e desci da caminhonete quando o Sadam saltou da carroceria direto para as pernas do velho que vinha trotando pela borda do meio fio, como já vi ele fazer outras vezes pelas ruas de nosso bairro. Deve ser um daqueles aposentados que moram na parte mais antiga do loteamento, mais perto do córrego, que resistiram e não venderam suas casas básicas para a construção dos prédios mais novos como o meu. Tem uma turma de velhos e velhas como ele que fazem caminhada pelas ruas, com aquela pinta de terem sido funcionários públicos, um desses burocratas que atazanam a vida da gente durante uns trinta anos e depois vão esperar a morte diante de uma televisão sem nem prestar atenção. Uns inúteis.
Além disso, aquele o velho não deve gostar de cachorros, porque se gostasse o Sadam saberia, os cães sabem direitinho quem gosta deles, deve ser pelo cheiro de medo ou raiva que a pessoa exala, sei lá, ele teria falado de forma amistosa com o Sadam ou teria brincado com o bichinho e ele e não ficado irritado tentando morder aquela perna magrela, sem músculos e sem pelos. Péssimo gosto, hem Sadam? E alguém que não gosta de animais, principalmente de cães, não pode ser boa pessoa e os animais percebem sua ruindade e também não gostam delas. Gente que também não deve gostar de crianças, da vida... têm inveja da juventude, de quem ainda pode trepar sem ter que usar viagra. Uns brochas invejosos que continuam vivos sem saber o porquê.
Eu não o empurrei, não encostei um dedo nele, foi ele que desequilibrou para o lado da rua e foi atropelado porque na idade dele velho devia ficar em casa quietinho na frente da televisão coçando as pelancas e não bancando o besta nessa corridinha ridícula. Não vou dizer que estou preocupado com ele, não vou mentir, acho que ele deve ter apenas quebrado algum osso, vai passar uns dias engessado, talvez, nada de grave, aposto que foi mais drama e fingimento do que machucado mesmo. Assustar com o latido de um cãozinho no colo do dono? Ah, merece uns dias no hospital.
Tenho quase certeza que ninguém me viu me aproximando daquele velho, porque foi tudo muito rápido e a rua estava praticamente vazia. No máximo, sob algum ângulo de visão de dentro do carro que o atropelou, talvez uma daquelas pessoas que saíram gritando possa ter me visto por trás dele, mas ninguém diria que eu o empurrei, claro que não, eu estava com o Sadam no colo, com as duas mãos segurando meu cachorrinho. E eu saí de cena rapidinho. Mas mesmo que alguém dissesse à polícia que eu estava perto dele quando caiu, quem prova isso? Aliás, a polícia nem apareceu por ali.
E o velho, será que estava consciente na hora que o puseram na ambulância? Será que ele disse alguma coisa? Tomara que tenha apagado, que tenha dado amnésia, espero... porque um filho da puta como ele, um velho aposentado inútil que não gosta de crianças nem de cachorro, um mau caráter e sacana como ele pode muito bem mentir dizendo que eu o empurrei, para tentar tomar na justiça um pouco do dinheiro que ele imagina que eu tenho. Mas mesmo que ele abra o bico, em quem a polícia iria acreditar? Num bosta como ele ou num cara bem relacionado como eu? E se a gente for parar na justiça, ele está fodido comigo e vai morrer antes que eu dê um centavo ele ou para sua viúva idiota.
Sadam, vem, vamos dar uma volta para você fazer seu cocô.
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