Impressões de Cuba 4 – O companheiro de Che Guevara






























A fotografia acima, que retrata Che Guevara em sua mula predileta, é muito famosa em Cuba, pois foi realizada durante a guerrilha que derrubou Fulgêncio Batista, um instantâneo colhido por um dos guerrilheiros e também fotógrafo chamado Perfecto Romero. Esta e outras fotos realizadas por ele foram utilizadas no Memorial para o Chê Guevara em Santa Clara (foto abaixo) e estão presentes em várias publicações históricas e nas salas do Museu da Revolução, que visitamos em Havana. 




















Conheci Perfecto na caravana promovida pela União Nacional dos Escritores e Artistas Cubanos, numa viagem de ônibus até Santa Clara, onde participamos de diversas atividades, entre elas o Salão de Melaíto, o mural na cidade, visitas a exposições e centros culturais e a amostra especial de cartunistas brasileiros denominada “Aquarela do Brasil”.


Depois de acomodados num pequeno hotel reservado pelo Comitê Provincial para nosso grupo, desci para passear pelo jardim enquanto Thalma tomava banho e fazíamos hora para o jantar. Sentado num velho banco de madeira, encontrei Perfecto sozinho e me aproximei puxando assunto, numa conversa que durou cerca de uma hora.

Depois de trocarmos algumas informações e nos conhecermos um pouco, Perfecto disse-me que estava preocupado com a situação de Dilma e de Lula, pois achava que os grupos de direita no Brasil queriam derrubar os dois. Contou-me que estivera pessoalmente com Dilma e Lula numa exposição de suas fotos realizadas em Belém do Pará, durante o Fórum Social Mundial de 2009, e que gostava muito de ambos. Perguntou-me o que achava da situação brasileira, em especial da Dilma e do Lula.

Confesso que a princípio hesitei em responder o que realmente penso, pois sabia que estava diante de um artista cubano aparentemente engajado em ideias ortodoxas a respeito da política latino-americana. Perfecto acabara de me contar que nascera em 1936 numa família de camponeses extremamente pobres, os quais foram despejados das terras onde trabalhavam depois que o fazendeiro as vendeu para uma grande empresa americana. Vagaram anos trabalhando como boias frias, passando fome de uma cidade para outra e ele começou a trabalhar numa fábrica de charutos com 16 anos de idade. Ali, tomou conhecimento de ideias proletárias pelas leituras que eram feitas em voz alta por um dos trabalhadores enquanto os demais enrolavam silenciosamente os charutos. Muito cedo fora obrigado a entrar para a resistência contra a ditadura de Fulgêncio Batista e dali acabou se voluntariando para participar da guerrilha, sendo acolhido pelo próprio Che Guevara, que o aconselhara a usar a câmera fotográfica como sua principal arma.

Fotografando tudo o que acontecia na guerra, sob o estímulo de Che que intuíra o alcance daquelas lutas em Sierra Maestra, participou de muitas ações militares, especialmente de sabotagem, e depois do triunfo da revolução de Fidel Castro pode criar e participar de um jornal para as forças armadas, onde se aposentara como major. Continua hoje aos quase 80 anos a sua atividade como fotógrafo, imensamente reconhecido em Cuba.

Afinal, decidi dizer a ele o que realmente penso sobre Dilma e Lula, por sentir que seria desonesto de minha parte sair pela tangente, ainda que minha resposta pudesse contrariá-lo. Comecei explicando que, apesar de eu ter sido um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores em 1980, me desligara da militância já em 1982 por causa do centralismo antidemocrático do grupo de José Dirceu e Lula. Apesar disso, continuaria a me posicionar politicamente de acordo com as ideias do PT até que, em 2004, ficara sabendo que as fontes financiadoras da campanha de Lula à presidência eram as mesmas de Fernando Henrique Cardoso, bancos e empreiteiras, apenas em quantias diferentes.

Mesmo atuando de forma mais independente politicamente, eu ainda manteria a esperança de que o PT seguiria um caminho diferente dos demais partidos, recusando o fisiologismo e a corrupção, mas os episódios do chamado “Mensalão” e do escândalo da Petrobrás haviam sepultado de vez esta minha ingenuidade.

Lembrei ao velho militante do partido comunista cubano que é inegável que houve uma melhora sensível no nível de vida da população brasileira mais pobre nos últimos anos, mas estas conquistas se devem a muitas ações compartilhadas com governos anteriores, entre as quais a estabilização da moeda e o fim da inflação, o programa de bolsas para os mais pobres e a um período de situação favorável do Brasil nas suas relações comerciais com a China. No entanto, apesar de aumento no poder aquisitivo dos mais pobres, não ocorrera a sonhada redistribuição da riqueza, pelo contrário, a concentração de renda aumentara durante o petismo e os bancos nunca haviam sido tão lucrativos quanto sob as gestões Lula e Dilma.

Para piorar, - tentei explicar ao fotógrafo cubano, - ao meu ver, as gestões petistas haviam feito, entre outras, diversas políticas equivocadas:  1) adotaram as mesmas soluções monetaristas dos governos liberais; 2) reduziram os recursos e paralisaram o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (especialmente o Programa de Saúde da Família); 3) destinaram dinheiro dos trabalhadores (BNDES) para empresas particulares sem os mínimos critérios adequados (pressionando a dívida pública e consequentemente a inflação); 4) permitiram ambiguidades na legislação e fiscalização, pressionadas pelo agronegócio, que resultaram em menor controle do desmatamento da Amazônia e maior destruição da floresta; e 5) para sair da crise econômica mundial de 2008, optaram pela renúncia fiscal em larga escala (quase meio trilhão de dólares) para a indústria automobilística, reduzindo os recursos públicos sob autonomia do estado para o investimento na infraestrutura.

Percebendo que eu me estendia demasiadamente num assunto espinhoso, finalizei dizendo que estas seriam algumas das ações dos governos Lula e Dilma que me causaram decepção e tristeza, às quais podemos acrescentar a falta de uma reforma política (quando ela era possível durante a grande popularidade de Lula), o populismo decorrente do centralismo autoritário do PT, o culto à personalidade (do Lula – nada estranho em Cuba, é claro) e a pouca habilidade política (da Dilma), especialmente em seu segundo mandato. Tudo isso me levara para a oposição ao petismo, aliás, - disse ao Romero Perfecto que me escutava em silêncio - sou eleitor militante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) desde sua criação.

Não sei o quanto exatamente Perfecto Romero compreendeu de tudo o que eu disse naquele jardim do hotel ao crepúsculo em Santa Clara, no meu sofrível portunhol. De qualquer forma, ele me pareceu entre acabrunhado e entristecido, mas não retrucou qualquer dos meus argumentos. Olhou para o relógio e lembrou-me que estava na hora do jantar e nos dirigimos ao refeitório, onde sentamos juntos e mudamos de assunto.





















Diante do hotel, da esquerda para direita: Zardoyas, Thalma, Pablo, Odete, Ivete, Perfecto, Lor, Ares e Olga.

Nos três dias seguintes estivemos por perto em todas as ocasiões das atividades programadas pelo Salão de Melaíto. Ele foi gentil, amistoso, mas de poucas palavras, sempre fotografando. Sinto por ele um grande afeto, na forma de respeito pela sua história de vida e grande integridade pessoal, embora eu nem possa dizer exatamente o quanto eu concordo ou não com suas ideias.

Durante nossa viagem de regresso a Havana, Thalma fotografou Perfecto Romero que estava no banco do ônibus à nossa frente. Esta foto traduz todo o meu sentimento por ele.







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