Impressões de Cuba 2 – Totens e tabus






























O desenho acima é do cartunista francês Bernie, que foi considerado pelo júri (foto abaixo) como o melhor no tema erótico (o Salão de Melaíto tem duas categorias: humor geral - ver post de ontem - e humor erótico).








Jurados do Salão de Melaíto de 2015 – os cubanos Laz (presidente), Lacoste, Linares e Rolland e os brasileiros Lor, Thalma e Santiago.

A premiação de um cartum cujo tema envolve pedofilia e igreja católica é um fato a ser comentado no contexto político de Cuba, pois a partir de algumas conversas com os cartunistas fiquei com a impressão de que pelos menos três temas são tabus nas publicações humorísticas (todas elas sob controle ou fortemente influenciadas pelo Partido Comunista Cubano): religião, homossexualidade e Fidel Castro.

Para conferir esta impressão, revi os temas abordados em 217 cartuns publicados por diversos cartunistas cubanos nos jornais de humor MELAITO e LA PICÚA nos últimos meses. Os resultados estão na tabela abaixo.

Tema
Percentual
Internet
15%
Mulher
11%
Sexo
8%
Política
0,01%
Religião
0,1%
Homossexualidade
0,1%
Fidel Castro
Nenhum
Outros
Cerca de 60% %

O tema mais frequente é a internet (talvez isto não seja diferente em outros países neste momento – a conferir). A segunda ocorrência é sobre a mulher e os cartuns geralmente são conservadores, reafirmando alguns preconceitos contra as mulheres. Apenas 8 cartuns (0,3%), - todos eles do cartunista Ramsés, - eram contra as violências cometidas contra as mulheres. No mesmo rumo, as piadas sobre sexo (8%) ridicularizam os idosos e a impotência masculina ou apresentam as relações entre casais (7%) de forma conservadora dentro dos tradicionais papeis masculino e feminino.

Chama a atenção a ausência completa de referências a Fidel (ou ao regime político em Cuba) e os baixíssimos índices de cartuns sobre política, religião e homossexualidade. No caso da religião, vi apenas um cartum sem texto sobre uma mulher islâmica, com a burca e seu celular também parcialmente oculto. Sobre homossexuais, apenas dois cartuns com trocadilhos ingênuos com as palavras hetero e homo. 

Este resultado obtido com uma amostra aleatória vasculhada em várias edições das publicações humorísticas que recolhi em Cuba, sugere a existência de tabus, em especial em relação aos totens sagrados da revolução cubana, o que fica mais intrigante considerando do grande nível de alfabetização e educação da população.

Parece-me também que nos cartuns classificados como OUTROS há grande presença de recursos indiretos de expressão, como metáforas usando reis, rainhas, super-heróis, bobos da corte, carrascos medievais e outros deslocamentos de época, muito parecidos com os subterfúgios que usávamos durante a ditadura militar, para contornar a censura no Brasil.

Portanto, a premiação de um cartum sobre padres e pedofilia no tema “cartum erótico” constituiu um marco importante do Salão de Melaito deste ano, pois enfrenta dois tabus (religião e pedofilia), ampliando o sentido do erótico para suas consequências sociais e culturais.

Neste mesmo contexto, foi muito construtiva a polêmica que os jurados travaram (democraticamente mediada pelo nosso presidente, o cavalheiro Laz) sobre o cartum abaixo. 















Alguns queriam premiar o cartum por entenderem que ele representava uma crítica ao duplo significado do erótico, criticando o assédio sexual sobre as mulheres trabalhadoras e a dominação masculina que demite aquelas que resistem às mãos dos patrões. Outros jurados entenderam que seria um cartum político e não erótico propriamente dito. A votação acabou por definir por uma menção honrosa para este cartum.

Continuo em breve.

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