Impressões de Cuba 3 – Muros, murais e fronteiras



























A imagem acima é a página 2 do jornal Vanguardia, que reúne os cartunistas que criaram um mural no centro da cidade de Santa Clara, uma atividade tradicional em todos os salões de Humor do Melaíto. A proposta deste ano fora que cada um de nós escolhesse entre os temas PAZ ou TERRORISMO.


Esbocei um cartum que traduzisse minha hipótese de que a paz entre as pessoas somente ocorrerá quando não houver mais fronteiras, de quaisquer tipos: geopolíticas, étnicas, econômicas ou culturais. Por isso pintei com a ajuda da Thalma o desenho abaixo, enquanto me divertia com o genial Santiago entre um gole e outro de rum.

































É importante lembrar que a frase “PÁTRIA OU MORTE” está presente nos poucos outdoors existentes em Cuba, um lema proposto por Fidel Castro diante dos ataques militares, sabotagens e intimidações por parte dos Estados Unidos no início da década de sessenta. O nacionalismo tem sido inseparável de muitas revoltas contra sistemas colonialistas, sejam eles capitalistas ou não. Assim, minha impressão é de que a revolução cubana contra o regime de Fulgêncio Batista (considerado um ditador que sustentava uma extensão do imperialismo norte-americano) tinha forte conteúdo nacionalista em seus primórdios.

Hoje, penso que qualquer nacionalismo (patriotismo) é uma das faces do etnocentrismo, da xenofobia, da discriminação e do racismo. É muito fácil para nossa natureza humana usar as mínimas diferenças do outro para construirmos barreiras intransponíveis entre nós e os outros, a “outrofobia” (como disse alguém), que considera a todos os que não pertencem a um determinado grupo como sub-humanos, inferiores, desprezíveis e desprovidos de direitos humanos. Como diz Caetano Veloso e Elza Soares, não quero pátria, quero mátria, quero fratria.

Mas compreendo que há uma longa história por trás da frase Pátria ou Morte em Cuba. Obrigados a se defender contra a máfia e os interesses capitalistas em Cuba, os revolucionários cubanos na década de sessenta aproximaram-se cada vez mais da União Soviética e puderam contar com seu apoio militar e econômico até que Guerra Fria terminou com a derrocada econômica da Rússia, que levou à queda do muro de Berlim e à modificação do regime estalinista. Cuba ficou a ver navios... (ver abaixo o desenho do excelente cartunista cubano Linares).




























Assim, espremidos entre a miséria econômica e a ameaça de guerra por parte dos Estados Unidos (que reatou lações diplomáticos e libertou os famosos cinco cubanos presos por espionagem, mas ainda não suspendeu o bloqueio econômico), o lema “Pátria ou Morte” ainda faz sentido para os cubanos, que são obrigados a se manter num estado de alerta semelhante aos tempos da Guerra Fria.

De qualquer forma, quis deixar minha esperança gravada nos muros de uma rua de Cuba naquele painel coletivo: quem sabe um dia poderemos viver sem pátrias e sem fronteiras?

Participar do mural em Santa Clara lembrou-me do final dos anos 70, quando eu e Thalma íamos pintar murais nos bairros populares ao redor da Cidade Industrial, como parte da luta contra a ditadura militar, pela anistia aos presos políticos e punição aos torturadores e a favor da criação de um partido que defendesse a causa dos trabalhadores.

Naquela época imaginávamos uma sociedade mais justa, universal, sem fronteiras de qualquer tipo, baseada na igualdade de direitos entre homens e mulheres a qual, enfim, traria a paz. A estrela vermelha solitária que coloquei no olho da pomba da paz continua sendo para mim o símbolo deste sonho.

E como diz a música de Milton Nascimento, os sonhos não envelhecem.


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