A história que me contaram

 


Obrigado, Juliano Viana, pela sugestão da leitura.

Um sociólogo e um antropólogo escolheram na minha estante alguns dos livros que mais me impressionaram ao longo da vida e disseram: - Não é bem assim... e me mostraram o porquê no seu livro “O despertar de tudo – uma nova história da humanidade”, de David Graeber e David Wengrow.

Ao longo da leitura, fui me tornando cada vez mais agradavelmente surpreendido pela revelação de aspectos da história que, - agora percebo, - não faziam sentido na narrativa que me contaram e que eu vinha repetindo.

O título pretencioso se justifica: eles passaram dez anos revisitando as principais obras que moldaram o pensamento histórico, sociológico, antropológico e político contemporâneo e concluíram que precisamos mudar nosso modo de pensar a humanidade.

Desde os bancos escolares fui aprendendo uma história evolutiva: o capitalismo atualmente dominante seria resultado inevitável da civilização ocidental, que se originou dos regimes feudais na Europa, que surgiram dos impérios romano e grego, que descendiam dos povos do Oriente Médio, egípcios e babilônicos, que haviam formado estados, depois que os sumérios desenvolveram a escrita, que teria sido uma necessidade de organização burocrática por causa do crescimento da população reunida nas cidades, que apareceram em decorrência da invenção da agricultura e da domesticação dos animais, revoluções no modo de produção que teriam surgido como um passo inevitável para os povos coletores-caçadores, os quais representariam a forma de vida dominante até o final da Era Glacial.

Se você compartilha os aspectos básicos desta sequência evolutiva da humanidade, prepare-se para se surpreender com a leitura do “O despertar de tudo”, pois a farta documentação científica que os autores apresentam desconstrói grande parte dessa narrativa, que teria sido construída, segundo os Davids, como uma reação ideológica dos pensadores iluministas às críticas que receberam dos filósofos indígenas americanos ao modo de vida branco europeu.

Se você se espanta com a última frase, saiba que ela não é a principal revelação do livro, pois há muitas, entre elas a existência de repúblicas democráticas indígenas, de civilizações amazônicas e o grande resgate que os autores fazem do papel das mulheres na política em muitas culturas que foram jogadas na vala comum da chamada “pré-história”. Em parte, este descaso com o papel das mulheres e dos povos originários se deve à discriminação das mulheres na ciência, neste caso, especialmente no campo da antropologia, abrindo espaço para uma narrativa histórica feita quase que exclusivamente por homens brancos, norte-americanos e europeus.

Neste livro, talvez a evidência mais transformadora para mim tenha sido de que não há (ainda, pelo menos) regras na história, ou seja, não há leis históricas descobertas que apontem necessariamente o caminho de uma população, de uma cultura ou o nosso destino atual (parece que Galileu, o frango, não concorda com isso na ilustração acima...). Portanto, o capitalismo não era inevitável (nem desdobramentos supostamente científicos dele) e outros mundos são possíveis. Isto é alentador, especialmente neste momento crítico de crise climática e de grande desigualdade provocadas pela exploração capitalista.

Não vou dar mais spoilers, primeiro, porque não seria capaz de resumir as 556 páginas de revelações interessantíssimas (rabisquei e fiz anotações em quase TODAS as páginas do livro) e, segundo, porque descobri que história é outro dos assuntos nos quais não me considero mais capaz de dar palpites (somado aos temas passarinhos da Serra do Cipó, plantas e vacinas), ou seja, me libertei um pouco mais da necessidade de opinar sobre tudo (completando outro passo na retirada voluntária das redes sociais).

Mas antes que você comece a discordar de alguma coisa neste meu comentário, os autores chamam a atenção para um mecanismo psicológico fundamental na formação de diferenças entre as culturas, denominado “cismogênese”, que consiste em, a partir de uma pequena divergência de opinião entre duas pessoas, para reforçar o próprio argumento, cada uma delas vai se distanciando da outra, até que, ao final, elas podem estar em campos diametralmente opostos.

Não fosse por nada mais, o livro valeria por me apresentar o conceito de cismogênese, essa tendência humana de nos apegarmos à vaidade das mínimas diferenças entre vizinhos, que pode ter contribuído para as diferenças culturais entre os milhares de povos que vêm formando nossa plena humanidade.

Se você ler e quiser conversar sobre este livro, estarei aqui doidinho para encontrar concordâncias.

LOR

Comentários

  1. Legal, ja vou buscar para ler e discordar. adorei esta noção de cismogênese.

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