Um mundo sem guerra é sonho ou projeto político?


Sim, Francisco, você tem razão: ler Domenico Losurdo mexe profundamente com nossa cabeça. Andei lendo três dos vários livros deste filósofo e historiador italiano, que morreu em 2018, aos 76 anos, depois de se tornar um dos maiores estudiosos do pensamento do comunista Antônio Gramsci.

No primeiro livro, “Marxismo ocidental”, aprendi com Losurdo que nós, marxistas ocidentais, temos adotado uma expectativa messiânica sobre a construção internacional do socialismo e desprezado as conquistas obtidas nas lutas anticoloniais, como as revoluções na Rússia, China, Vietnã, Cuba e outras no continente africano, que precisaram adaptar as teorias marxistas às condições históricas objetivas que encontraram para conseguirem sobreviver ao ataque destruidor das forças capitalistas e imperialistas.

No livro “Stalin”, também surpreendente, o filósofo italiano realiza a proeza de reconstituir historicamente a figura do principal dirigente da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, contextualizando os acontecimentos do século passado e destruindo o mito da semelhança entre Stalin e Hitler, uma ideia na qual erroneamente embarquei, influenciado pela filósofa Hannah Arendt.

Por último (por enquanto), em “Um mundo sem guerras” Losurdo mostra porque a guerra, depois de fazer parte das sociedades medievais, se tornou indissociável do capitalismo e do imperialismo. Por isso, é impossível a humanidade atingir uma paz duradoura e universalista enquanto houver desigualdades econômicas e sociais extremas. Sua análise é profundamente documentada e muito lúcida a ponto de, inclusive, ainda em 2016, ele fazer uma previsão da guerra na Ucrânia, que hoje estamos de fato sofrendo.

Losurdo recupera exaustivamente os momentos históricos desde a Revolução Francesa até nossos dias, fazendo-nos entender que o sonho da paz perpétua não pode ser confundido com a pax americana, ou seja, a “paz” mantida pela hegemonia bélica e violenta de uma nação poderosa sobre o restante do planeta.

Ele mostra o cinismo dos Estados Unidos e da OTAN que, em nome de estabelecer a PAZ e a democracia liberal, realizam intervenções militares arrasadoras e genocidas, sem autorização da ONU, em países como o Iraque, a Líbia, a Síria e a Iugoslávia. Uma máquina internacional de guerra em defesa do capitalismo-imperialismo, que interessa à indústria de armas e que assedia a China e a Rússia militar e economicamente, provocando o autocrata Putin a invadir a Ucrânia.

Estes livros esclareceram-me onde me encontro: em meio aos longos tempos da história, como parte inevitável do oceano de fatos, que subitamente se transformam em tsunamis revolucionários, entremeados por épocas de calmaria aparente.

Domenico Losurdo me fez compreender melhor o mundo, as guerras, a mim mesmo e um pouco do futuro que procuro desesperadamente prever e, quem sabe, modificar para que haja algum dia a paz duradoura.

Desde as revoluções Francesa e Russa, o sonho da paz permanente e universalista parece crescer na humanidade, a ponto de se tornar um hino na música “Imagine”, de John Lennon. Um sonho que precisa ser transformado num projeto político, de longuíssimo prazo, que reconstrua a sociedade humana sem classes, mas que contemple a diversidade entre as identidades individuais, culturais e das nações.

Será que John Lennon chegou a ler Losurdo?

Imagine que não exista paraíso
É fácil, se você tentar
Nenhum inferno sob nós,
Acima de nós apenas o céu

Imagine todas as pessoas
Vivendo o presente

Imagine que não há países
Não é difícil
Nada para matar ou razão para morrer
E nenhuma religião também

Imagine todas as pessoas
Vivendo a vida em paz

Você pode dizer que sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Eu espero que algum dia você se junte a nós
E o mundo será como um só

Imagine que não existam posses
Eu me pergunto se você consegue
Sem necessidade de ganância ou fome
Uma irmandade dos homens

Imagine todas as pessoas
Compartilhando o mundo inteiro

Você pode dizer que sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Eu espero que algum dia você se junte a nós
E o mundo viverá como um só






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