O capitalismo e a inoCiência

 




O texto que postei ontem, MAMUTES NA SALA , sobre a relação entre a crise climática e o capitalismo, recebeu alguns comentários de dois amigos cientistas, que valem a pena serem lidos.


Disse o Romeu Guimarães:

Novamente, problemas complexos, muitas janelas, nenhuma suficiente, todas necessárias...

Uma das perplexidades que me deixa ´encucado´, no momento, é a miopia que acabei de perceber no comportamento de toda cultura ocidental (não falo das outras, porque conheço nada delas). Desde Thales de Mileto (-624 a -548) até o século 20 (tipo 2500 anos transcorridos), ninguém percebeu o ´ambiente´.

Isso significa uma decepção: eu pensava que os grandes pensadores vasculhavam metodicamente todos aspectos dos temas que abordavam, mas não, fixavam somente os aspectos que lhes incomodavam, que lhes apareciam como ´questões´ valiosas, e o ambiente nunca lhes incomodou; era tomado como fonte infinita de recursos e lixeira infinita para seus resíduos; ´taken for granted´, inteiramente negligenciado.

Os intelectuais devem assumir sua parte de ´culpa´; não prepararam as sociedades e culturas para a crise e sua prevenção. Parte da arrogância da intelectualidade, hubris... No panteão grego havia muita crítica à arrogância ( Sísifo e companhia), também nas tragédias (Édipo e companhia), mas não conheço abordagem do tema ambiente.

Será que estou, também eu, míope, sem perceber o que derrubaria minha crítica? Bom será que alguns de vocês me refresquem a memória e indiquem onde foi que me escapou à observação. Até que, agora o ambiente se mostra, mas já em estado crítico. E temos que correr atrás. Então...

Abraços.


Ramon Cosenza comentou:

Alô a todos

Um mito prevalente em nossa civilização é o relato bíblico de que Deus criou o homem à sua semelhança e o colocou no mundo com a natureza para servi-lo. Essa visão antropocêntrica coloca nossa espécie fora do resto da natureza e justifica que o homem faça uso dela a seu bel prazer.

Com a revolução científica, essa perspectiva se tornou perigosa. Francis Bacon, um dos expoentes dessa revolução, escreveu que a natureza deveria ser “torturada” pela ciência, para confessar seus segredos. Em uma visão materialista, tudo funcionava como um mecanismo gigante, a serviço do homem. Descartes concordava com essa visão e considerava os animais, por exemplo, como autômatos desprovidos de espírito. Dessa forma, um sistema econômico que considera a natureza apenas como “recursos naturais'', pôde florescer, utilizando os conhecimentos e a tecnologia disponíveis, até atingir os níveis de degradação do planeta que agora assistimos.

Hoje sabemos que a vida é uma só. Nossa espécie e todos os seres vivos são todos descendentes do primeiro probiota que apareceu no planeta há uns 3 bilhões de anos. Vivemos num estado de interdependência e tudo está interligado num grande sistema que alguns chamam de Gaia. Eduardo Galeano dizia que Deus esqueceu-se de um mandamento, o 11º., que deveria ser: “Amarás a natureza, porque fazes parte dela”.

Contudo, parece que esse conhecimento chegou um pouco tarde. As chances de mudar o sistema de valores requerido para redirecionar o sistema econômico dominante são muito pequenas, pois provavelmente iria requerer a passagem de mais de uma geração.

É interessante, que Konrad Lorenz já havia alertado. O homem, com o avanço científico, conseguiu escapar dos processos da evolução biológica, mas continua preso na evolução cultural. Acontece que a evolução biológica é lenta e as mutações que surgem geralmente dão conta de preservar a sobrevivência da espécie. Mas, a evolução cultural ocorre muito rapidamente e os mecanismos de defesa não aparecem na mesma velocidade. Portanto, não há muitos motivos para ser otimista.

Aliás, acho que o pessoal ainda nem notou o mamute na sala.

Abraços


Ramon e Romeu,

Obrigado pelas mensagens!

Nunca tinha lido uma síntese tão clara das ligações ideológicas entre a ciência e a devastação do ambiente. Também ando desanimado com soluções a tempo.

LOR

Romeu completou:

Bem dito, Ramon. Começamos a compreender um pouco mais o ´viés´ de desdém com o ambiente, mantido pela cultura ocidental. O pior é que também o é a medicina e a biologia: não perceber ou destacar que a dependência do ser vivo frente ao ambiente é absoluta, como se o ambiente fosse mais um de nossos órgãos. Assim como os caramujos, temos que carregar nossa ´bolha´ junto.

Só agora isso ficará evidente e será preciso ´filosofar´ a respeito, para que forneça conteúdo pedagógico adequado. E eu que ingenuamente pensava que os filósofos prezavam a ´completude´ de suas abordagens, agora ficando clara suas limitações.

Talvez seja bom rever e expandir, por exemplo, a abordagem de Jakob von Uexkull , demarcando qual seria o umwelt (ambiente) de cada espécie.

Abraços











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