Bye buy

 

Depois de 48 horas com o celular desligado recuperei a sensibilidade nas pontas dos dedos, consegui enxergar as casas no outro lado da rua e conversar com minha mulher sem a sensação permanente e insidiosa de que algo importante estava acontecendo e eu estava por fora.

Antes passara por momentos de muita angústia. De repente, minha geladeira se tornara um objeto real, as paredes pareciam sólidas e o chão estava frio sob meus pés. As cores do dia feriam meus olhos, apesar da branquitude opaca de um domingo nublado. Passei a sentir de forma estridente os barulhos de carros e latidos de cães se misturando com o chiado das cigarras numa cacofonia que ocupava progressivamente todo o espaço sonoro. Assustei-me com o canto agressivo de um bem te vi que pousou em meu quintal, fechando a janela antes que meu lobo frontal perguntasse que estupidez era aquela de sentir medo do pequeno pássaro.

Havia desconforto em minha pele, suarenta e pegajosa, com calafrios ocasionais entremeando ondas de calor que desandavam em náusea e sede, seguidas de vertigens que me faziam apoiar as mãos no granito úmido da cozinha para não cair em meio a intensas crises de hiperventilação.

Sim, eu entrara em abstinência. E foram muitas horas de sofrimento, nas quais me aproximei repetidas e tentadoras vezes do celular, até que comecei a arrancar as etiquetas de preço coladas à minha mente, que indicavam quanto eu valia em cada anúncio que capturava minha atenção ao dedilhar mensagens na tela.

Compreendi que havia me tornado um sem teto emocional e agora vivia dentro de um supermercado, com ofertas intermináveis de um mundo mega dimensionado de produtos comercializados, entre eles, eu mesmo.

No segundo dia, a distância do aparelho sedutor foi ficando mais tolerável e percebi que poderia continuar a usar o celular e não ser usado por ele.

Escrevo esta última mensagem para algumas pessoas que realmente importam: não mais usarei as redes eletrônicas para assuntos que não sejam pessoais. A partir de agora, conversas apenas diretas, exclusivas e privadas. Em grupo, somente quando as epidemias de vírus e telas permitirem que as conversas sejam de corpo e alma presentes.

Assuntos públicos, postarei no poste da rua, ou seja, no blog. Quem se interessar, estarão lá.

Espero que compreendam, como compreendi.

Lor



PS: estudo científico interessante, relacionado a este assunto, enviado pelo amigo Ramon Cosenza: ver aqui

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