Diário de isolamento 7 - O ouriço do mar


Está difícil ficar longe da minha família, dos amigos, dos colegas de trabalho e das pessoas que atendo no hospital e no consultório, especialmente com a consciência de que não sabemos por quanto tempo ainda permaneceremos assim, em isolamento social para diminuirmos a velocidade da pandemia de coronavirus.

Os vídeos compensam apenas em parte nossa necessidade de contato humano, do olhar do outro, pois na telinha estamos sempre mirando a imagem do interlocutor e não a câmera, o que impossibilita o fundamental olho no olho. Nossa espécie precisa sentir a presença física, real cheirosa e calorosa dos nossos semelhantes, senão enlouquecemos.

Não somos ouriços do mar, aquele pequeno animal marinho que passa a maior parte de sua vida numa loca, sem se comunicar com seus vizinhos, e periodicamente lança seus óvulos e espermatozoides nas águas em função da luminosidade do ambiente.

Há poucas semanas, Thalma e eu fomos à casa de praia de Romeu e Nina em Peracanga, próxima a Guarapari, com nosso neto Francisco, como fizéramos com outros netos alguns anos antes, prometendo a ele que veria muitas coisas interessantes nos nossos passeios pelo litoral, inclusive centenas de ouriços do mar.

Foi imensa nossa decepção quando, durante os primeiros dois dias de longas caminhadas, não encontramos um ouriço sequer, além de notarmos a quase ausência de vida animal nas pedras e reentrâncias do mar, onde antes eram abundantes os corais, diversos tipos de peixes, crustáceos e outras espécies. Somente no terceiro dia encontramos cinco ouriços numa pequena enseada mais ao norte.

Não havia evidências de que seria um efeito sazonal, pois fizéramos aquelas caminhadas exploratórias pelas pedras na mesma época em outros anos e os pescadores da região confirmaram a escassez de ouriços e peixes nos últimos tempos.

O que teria acontecido aos ouriços do mar? Pensamos nos resíduos de minério espalhados no mar do Estado do Espírito Santo por causa do rompimento criminoso da barragem da mineradora Vale, em Mariana. No entanto, pelo menos diretamente, o maior desastre ambiental do Brasil não parecia ter atingido aquela praia de Peracanga. Talvez de forma indireta, algum dano causado pelo deságue do Rio Doce no litoral ao norte poderia ter afetado os ouriços mais abaixo, causando o seu quase desaparecimento.

Talvez pudesse ser a acidificação dos oceanos, em decorrência da diluição do gás carbônico na água, causada pelo aumento vertiginoso do gás cuspido na atmosfera pela poluição dos motores movidos a combustível fóssil. Quem sabe, o ouriço do mar, quieto e isolado em sua loca, seja apenas mais uma vítima do modo de produção capitalista predador e insano, que mantém a destruição do meio ambiente contra todas as evidências de que estamos numa crise climática.

O ouriço do mar, ainda que isolado e não poluidor, não está livre dos problemas do mundo, assim como não estamos nós, brasileiros, inclusive aqueles do pátria amada, salve, salve, do deus que cuide de todos acima de tudo.

Isolado em casa, talvez eu possa escapar do novo coronavirus até que seja desenvolvida uma vacina contra ele, mas não escaparei das consequências da pandemia sobre as pessoas e a sociedade ao nosso redor.

Além das mortes por asfixia, o coronavirus já causa danos imensos à economia, que resultarão em mais mortes e sofrimento, por outras causas, entre aqueles mais pobres, rebaixados na sua parca renda por causa dos vinte e cinco milhões de novos desempregados que devem surgir, segundo algumas previsões.

A tênue esperança que me mantém respirando é de que possamos aprender um novo modo de convivência solidária diante da globalização inevitável, aprendermos mais solidariedade porque não estamos isolados, porque dependemos de todos e do meio ambiente para sobrevivermos como civilização.

Quem sabe aprenderemos a votar melhor e não escolheremos nunca mais os sociopatas e milicianos para governar milhões de brasileiros.

O novo vírus nos mostra que não há mais espaço para os velhos nacionalismos, xenofobias e fronteiras econômicas, de raça e gênero.

Não adianta querer ser o velho ouriço do mar.







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