PJ, o duro

 


Agora, Welinton Pereira Junior, o PJ,

a juventude acabou,

uns amigos no trampo, outros sumidos,

a escola pública não existe mais,

você descolou a grana pra financiar a moto

e você trabalha muito, PJ,

porque tem uma família sagrada pra sustentar,

você é o chefe, PJ, o boss.

 

Agora, PJ, o sindicato acabou,

o político prometeu e não cumpriu,

a carteira assinada já era,

o SUS foi desativado

e você sufoca na fumaça dos carros,

das queimadas e do calor do cacete,

para entregar sua vida por 7,50

em cada última corrida possível.

 

Às vezes, você pensa em desistir.

mas você é duro,

você pega com Deus, PJ,

você é fiel.

 

Agora, PJ, sua Jéssica perdeu o emprego,

as crianças precisam dela:

o menor, - não ia tirar, Deus me livre!

tem problemas, sozinho dentro de si,

autismos, os remédios, só na vaquinha,

sua mãe, PJ, está com idade e nervos,

Jéssica cuida também,

seu pai, morreu sem pensão na imperícia,

mas você é duro,

você supera.

 

Agora, PJ, os vizinhos subiram muro,

arame farpado cercando taperas,

a rua virou cicatriz urbana, queloide gigante,  

a pelada do sábado minguou,

o futebol só na telinha,

entre um pedido e outra sobrevida no trânsito,

nove dias por semana.

 

Agora, PJ, você entrega almoços

para garantir a janta,

mas a conta não fecha,

então o pastor ajuda no zap

com palavras de fé

na sua empresa, no seu capital humano,

no seu potencial para competir e vencer

porque você é livre, 

você está no Brasil

e não na Venezuela, PJ!

 

Tem horas, PJ, que você tenta imaginar

como deve ser a vida do Elon Musk,

sua fortuna, seu poder, sua raça branca,

e, nessa tele agonia,

acha que um dia vai descobrir

como ele ficou TÃO RICO!

Se a galera paga nada para usar X, Insta e Tiktok,

é tudo de graça na internet,

não é?

Como?

 

De madrugada, às vezes,

sonha que uma Porsche te pegou num cruzamento

e você morreu,

mas acorda assustado:

ainda está vivo,

você é duro,

você não pode morrer, PJ.

 

 

LOR 8/10/24

Falso poema profundamente inspirado no poema de Drummond “E agora José?”, na canção do Chico “Construção” e no livro de Wendy Brown “Nas ruínas do neoliberalismo”. 


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