Debate de ideias
Um dia, depois de mais uma vez ela tentar me convencer sobre as maravilhas da ressurreição para encontrarmos Jesus no Juízo Final, quando, segundo ela, voltaríamos a ter o esplendor da beleza de nosso corpos, perguntei-lhe com qual idade a gente ressuscitaria: se jovem, como eu (era), ou como um idoso (que ela já era).
- Como assim, Vavado? (o apelido que recebi em pequeno, da minha irmã Titina)
- Pensa só... A senhora ficou viúva aos 40 anos e vovô Euclides somente a conheceu até aquela idade, bonitona, charmosa e sexy (sua religião não era capaz de inibir sua vaidade e sua imaginação erótica)...
- Sim...? - suspirou alguma memória prazerosa e ajeitou delicadamente o vestido - sempre cinza, desde a viuvez.
- Vamos dizer que a senhora morra daqui a alguns anos...
- Vira essa boca para lá! – olhou-me com severidade, franzindo a testa.
- A gente, seus netos e netas, somente a conhecemos do jeito que a senhora é hoje... uma pessoa bonita (novo suspiro), mas idosa... (contraiu o canto da boca, numa expressão de desgosto impaciente).
Continuei:
- Vamos imaginar que nossa família inteira se encontre depois do Juízo Final, no Paraíso...
- Ah, isso pode ter certeza, Vavado, porque meu Sagrado Coração de Jesus vai escutar minhas orações! Ai dele, que não me atenda! (olhou para o alto como que advertindo alguém lá em cima, que, certamente parecia dever alguma coisa para ela)
- Então, a senhora vai ressuscitar com seu corpo de 40 ou com seu corpo de 80?
- ? ... – vovó franziu a testa, meio confusa,
- Se ressuscitar com o corpo de 40, nós, seus netos e netas, não reconheceremos a senhora. Se ressuscitar com o corpo de 80, o vovô Euclides é que não vai reconhecer a senhora...
Vovó coçou a cabeça de um jeito muito tipicamente seu, com a ponta das unhas para não desarrumar o penteado, e disse:
- Vai à merda, Vavado!
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