Bolsonaristas também acreditam na ciência (atualizado em 5/3/21)
Quando Bolsonaro nos disse, lá no começo da pandemia, que a COVID é uma gripezinha e que quanto mais rapidamente as pessoas se contaminarem melhor, pois atingiríamos a tal imunidade de rebanho e a epidemia se controlaria espontaneamente, ele estava apresentando sua interpretação das informações científicas às quais seu grupo teve acesso naquele momento e, a partir de então, defende o discurso de deixar rolar.
Por exemplo, o dado epidemiológico de mortalidade de 1% das pessoas infectadas, especialmente aquelas com fatores de risco, idosas, mulheres gestantes, mais pobres, índios e quilombolas, ou seja, um bando de maricas sem histórico de atletas, representa uma perda absolutamente insignificante para quem não é capaz de se colocar no lugar do outro, daquele que sofre.
Do ponto de vista daquele que não se sente estatisticamente ameaçado pela COVID, o homem branco, rico, saudável e jovem, sua conclusão é de que ao final da pandemia teremos uma população mais pura, mais forte, depurada destes fracotes e velhotes. Uma espécie de eugenia natural, que ajuda tornar a “raça” brasileira melhor.
“O brasileiro é forte, nada no esgoto e não acontece nada com ele”, disse o presidente. Então quem morrer, não é um verdadeiro brasileiro, táoquei?
O desaparecimento desta parcela da população de brasileiros de segunda classe pode trazer outro ganho para os eternos insatisfeitos com os gastos sociais do governo: o famoso enxugamento nas despesas com a previdência, aposentadorias e benefícios sociais, dinheiro que agora pode ser canalizado para os seus interesses econômicos capitalistas. Tudo cientificamente calculado.
Parece-me que o que diferencia os bolsonaristas das demais pessoas não é a negação da ciência, mas o quanto se importam ou não com os outros, com o coletivo. Ou seja, o que nos separa é a predisposição psicológica mais ou menos altruísta que antecede a tomada de consciência da informação científica disponível.
Se, por diversas características de personalidade, classe, idade, gênero e educação, alguém pensa em si em primeiro lugar, vai olhar para o colapso do sistema de saúde com desdém, pois não vê no seu horizonte a possibilidade de vir a necessitar dele algum dia, menos ainda do sistema público, do SUS. Se não me imagino no lugar daquelas vítimas, não percebo o seu sofrimento.
“Todo mundo vai morrer um dia, fazer o quê? Não sou coveiro.”, disse o presidente.
As palavras de descaso e humor sádico expressam cruamente a política de deixar a COVID fazer seu trabalho sujo de purificação da raça, quando Bolsonaro exibe seu poder ao dizer que está sentado num cheque de 20 bilhões de reais, sabendo que menos de 10% deste valor foi efetivamente gasto para combater a pandemia. Um genocídio de mãos limpas: não fui eu, foi o vírus! – ele diria num eventual tribunal internacional.
Assim, a pandemia se torna um estorvo para os interesses dos bolsonaristas, seus negócios, suas viagens, suas festas, seus lucros. Por isso, eles expressam sua irritação e violência contra as pessoas que se colocam na pele de cada uma das famílias que perderam alguém para a COVID. A pessoa solidária sente a dor de cada uma das milhares de mortes que representam apenas aquele 1 por cento do total de infectados e por isso ficam estarrecidas com a indiferença dos bolsonaristas. Do outro lado, os bolsonaristas vociferam contra os solidários, que não passam de petralhas e comunistas.
No entanto, considerando o transtorno inevitável, os bolsonaristas acabam pensando como homens de negócio: como posso lucrar com esta situação? Quem sabe, vendendo algum medicamento que tenha qualquer aparência de respaldo científico, como a cloroquina? Quem sabe, colocando meu laboratório farmacêutico para fabricar vacinas em tempo recorde e vendendo bilhões para os governos? Quem sabe, comercializando equipamentos de proteção e álcool em gel? Quem sabe, emprestando dinheiro a juros mais altos por causa dos tempos de crise? E assim a sociedade capitalista vai se adaptando à pandemia, transformando o problema gerado pelo seu próprio modo de produção em nova fonte de lucro.
Não à toa, aquele 1% mais rico da população está se tornando ainda mais rico durante a pandemia, usando a ciência aplicada à tecnologia para aproveitar a oportunidade de lucrar de todas as formas com esta gripezinha que mata apenas aquele outro 1% das pessoas.
LOR
Fevereiro 2021
Comentário do Bruno Cesar Lage Cota:
Essa lógica ganha um corpo ainda maior com o individualismo e a falta de empatia que temos vivenciado nos últimos anos.
Um ponto crucial nesse raciocínio, que também acho que é calculado, é que a população mais jovem e sem comorbidades, apta a gerar lucros ao capitalista, geralmente não corre maiores riscos pela COVID, mesmo sendo pobres.
Ficando o risco maior para aqueles que não estão aptos a trabalhar, e que, alem disso, demandam dos recursos sociais, seja aposentadoria ou outros benefícios
Diriam que "Pobre bom é pobre trabalhando"
Um ponto crucial nesse raciocínio, que também acho que é calculado, é que a população mais jovem e sem comorbidades, apta a gerar lucros ao capitalista, geralmente não corre maiores riscos pela COVID, mesmo sendo pobres.
Ficando o risco maior para aqueles que não estão aptos a trabalhar, e que, alem disso, demandam dos recursos sociais, seja aposentadoria ou outros benefícios
Diriam que "Pobre bom é pobre trabalhando"
ELIANE BRUM
É fundamental a leitura de um texto da jornalista Eliane Brum publicado no El País – 03/03/2021 PANDEMIA DE CORONAVÍRUS - A covid-19 está sob o controle de Bolsonaro A população brasileira se tornou —e grande parte se submeteu— a ser cobaia de um experimento de perversão inédito na história ELIANE BRUM
Afirmar que a covid-19 está fora de controle no Brasil por incompetência de Jair Bolsonaro é um erro. É o mesmo erro de chamar o Governo de Bolsonaro de “desgoverno”. Bolsonaro governa e a disseminação da covid-19 está, em grande parte, sob o seu controle. Se o que vive o Brasil é caos, é um caos planejado. É necessário compreender a diferença para ter alguma chance de enfrentar a política de morte de Bolsonaro. Se existe alguma experiência semelhante na história, eu a desconheço. No Brasil, certamente nunca aconteceu antes. Estamos subjugados a um experimento, como cobaias humanas. A premissa da pesquisa desenvolvida no laboratório de perversão de Bolsonaro é: o que acontece quando, durante uma pandemia, uma população é deixada exposta ao vírus e a maior autoridade do país dá informações falsas, se recusa a adotar as normas sanitárias e também a tomar as medidas que poderiam reduzir a contaminação.
Ver mais no jornal El País ou peça-me uma cópia.
Pois é! E o genocida continua leve e solto. Desesperançado aqui.
ResponderExcluirLor, vc nao é apenas um ótimo pensador, ótimo desenhista,consequentemente ótimo chargista. Vc escreve muito bem. O que te qualifica como ótimo escritor. Vc é ótima pessoa!
ResponderExcluirConcordo!!!!
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