O voto do meu vizinho



De início, fiquei surpreso quando minha mulher comentou que soubera em quem a família do nosso vizinho de cima havia votado nas últimas eleições, mas aos poucos fui vendo que fazia todo sentido. Lembrei-me de suas roupas, suas posturas nas reuniões do condomínio e de sua maneira de entrar com o carro na garagem e me senti ingênuo por não ter desconfiado antes.

Seu carro, aliás, era demonstração mais que evidente de que não poderia ser outra a sua opção política. Estacionava sempre no limite com a outra vaga e ligava o motor um ou dois minutos antes de sair, algo absolutamente desnecessário nos carros atuais, enquanto ficava fuçando no celular e enchendo a garagem com o cheiro de gasolina.

Sua maneira de tratar os porteiros e o pessoal da faxina também deveria ter despertado minha desconfiança, porque era aquele jeito típico de relação patrão empregado que conhecemos muito bem, aquela coisa paternalista e fingida adotada pelos seus colegas de política.

Mas bastaria eu ter prestado mais atenção ao tipo de pessoa que aparecia no salão de festa do prédio quando ele comemorava aniversários da família: estava óbvio quem era a sua turma. O tipo de música, a altura do som, o comportamento das crianças, tudo apontava na mesma direção, mas eu não soubera ver.

Depois que minha mulher me falou sobre o seu voto, percebi melhor como ele e sua família faziam barulhos no andar de cima. O pior deles era a maneira dele dar a descarga pela manhã: exatamente às 6:15 ele apertava o botão num primeiro toque curto e depois de alguns segundos despejava outro jato longo. Isto começou a me enervar de um tal jeito que passei a perder o sono antes daquele horário, já antecipando os barulhos que viriam. Como me deito tarde, meu sono vinha diminuindo e me sentia cansado ao longo do dia, lembrando-me da causa da minha insônia: aquele maldito vizinho e sua privada acima da minha cabeça.

Minha irritação foi crescendo ao ponto de um dia me descobrir festejando um acidente nas proximidades de minha casa envolvendo um carro idêntico ao dele. Ao entrar na garagem, percebi minha ilusão, mas de forma incontrolável comecei a imaginar que ele poderia estar numa rodovia e se enfiar debaixo de um caminhão, cair num despenhadeiro, derrapar numa curva e morrer esmagado.

Ontem, quando eu estava no elevador, ele entrou, me cumprimentou e respondi com um grunhido qualquer. Ele então fez um comentário que não deixava dúvidas sobre em quem ele havia votado nas últimas eleições: no mesmo candidato que eu.



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