A porta da rua

A porta da rua não mais separa minha casa no mundo.

As ameaças do presidente racista se misturam com o autofalante do vendedor de pamonhas.

A morte de Marielle está no rosto dos rapazes abordados pelos policiais na calçada defronte.

O veneno espalhado na aldeia síria contamina os alimentos no sacolão do bairro.


A porta da rua não mais afasta minha família das ameaças do mundo.

A raiva do outro na tela de alta definição contamina nossa anemia solidária.

As doenças dos séculos passados penetram sorrateiras pelos buracos do cortinado.

A solidão eletrônica dividiu os cômodos em feudos separados pelas redes sociais.


A porta da rua não mais me protege da inutilidade da vida.

A mensagem na caixa postal informa que o progresso da humanidade foi patenteado por uma nova startup.

As ogivas nucleares no documentário da TV a cabo parecem indiferentes ao aquecimento global que atrasou a chegada das abelhas ao meu quintal.

O fundo monetário comunica que o massacre de Ruanda foi arquivado na mesma pasta que a Rebelião de An Luschan.


Meus cadeados, trancas, ferrolhos, fechaduras, tetras chaves, barras de aço e senhas

Tornaram-se meras tramelas.




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