Aforismos
Numa antiga fazenda nas proximidades dum lugar chamado Criminosos, entre Jesuânia e Carmo de Minas, havia um grupo de pessoas que falavam quase um dialeto, aparentados todos eles entre si, talvez portadores de alguma alteração auditiva que permitia que eles escutassem as palavras, mas as compreendessem de forma distorcida.
Conheci aquela boa gente quando era menino e acompanhava meu pai em seus atendimentos médicos, e eu passava horas em rodas de conversa em torno de um fogão de lenha e um bule de café, à espera de um parto mais demorado no quarto ao lado iluminado por lamparinas a querosene.
Eu não entendia tudo o que eles conversavam, mas registrei num bloco de receitas de meu pai algumas frases que fizeram sentido para mim no contexto da conversa, para as quais eu reconhecia os provérbios originais, assim como outras que ao longo dos anos tenho procurado decifrar sua transformação de sons e sentidos.
“Nem rico, nem rouco”, disse uma vez um deles, dando a entender que não conseguira o que queria, mas também não ficara rouco de tanto pedir ou gritar. Anos depois, li no Dom Quixote do Cervantes a expressão “Nem rei, nem roque”, mais ou menos com o mesmo significado, talvez uma origem distante do aforismo dos habitantes isolados naquelas fazendas ainda quase coloniais.
“Mais vale uma paz na mão que doce voando”, disse outro, numa referência à metáfora por demais conhecida sobre a prudência de se desejar menos, mas com mais garantia.
“Quem casa, quer calça”, o que também faz algum sentido, mas seguramente se tornou um significado bem distante da necessidade de uma moradia para quem deseja se casar.
“Deus no céu, adotou na terra” era uma das mais repetidas quando ouviam alguma recomendação de meu pai, quando queriam dizer que abaixo de Deus estava a palavra do médico em quem eles tanto confiavam.
“Farinha pouca, meu pinhão pinheiro”, que não necessita de maior explicação.
“Ladrão que rouba ladrão, semanas de perdão”, o que aumentou em muito a punição para o ultra larápio.
“Assombração sabe de quem é a prece”, numa inversão completa do conhecido ditado mineiro de que “assombração sabe para quem aparece”.
“É da barriga da porca que sai o tó e o resmo”, para o qual ainda não consegui saber qualquer provérbio fonte, mas parece ter o óbvio significado que de onde se espera algo é dali que acontecerá o almejado.
“Pau que bate em Chico, bate em Frei Chico”, sem comentários, naturalmente.
“Quem tem muito pinto, precisa de mais canjica”, sem origem em outro ditado conhecido, mas que era dito com certa malícia e duplo sentido.
“Amigos, amigos, negros à parte”, de tom claramente racista para os dias atuais, mas que foi dita por um negro forte e mais velho, possivelmente filho de escravos que haviam naquelas fazendas. Havia em sua fala uma espécie de humor, como que reconhecendo a existência da dura discriminação racial em que sempre vivera.
Já que "quem conta um conto, apresenta um tonto”, paro por aqui, porque “na porta da rua se vê a tia na casa”.
Eu não entendia tudo o que eles conversavam, mas registrei num bloco de receitas de meu pai algumas frases que fizeram sentido para mim no contexto da conversa, para as quais eu reconhecia os provérbios originais, assim como outras que ao longo dos anos tenho procurado decifrar sua transformação de sons e sentidos.
“Nem rico, nem rouco”, disse uma vez um deles, dando a entender que não conseguira o que queria, mas também não ficara rouco de tanto pedir ou gritar. Anos depois, li no Dom Quixote do Cervantes a expressão “Nem rei, nem roque”, mais ou menos com o mesmo significado, talvez uma origem distante do aforismo dos habitantes isolados naquelas fazendas ainda quase coloniais.
“Mais vale uma paz na mão que doce voando”, disse outro, numa referência à metáfora por demais conhecida sobre a prudência de se desejar menos, mas com mais garantia.
“Quem casa, quer calça”, o que também faz algum sentido, mas seguramente se tornou um significado bem distante da necessidade de uma moradia para quem deseja se casar.
“Deus no céu, adotou na terra” era uma das mais repetidas quando ouviam alguma recomendação de meu pai, quando queriam dizer que abaixo de Deus estava a palavra do médico em quem eles tanto confiavam.
“Farinha pouca, meu pinhão pinheiro”, que não necessita de maior explicação.
“Ladrão que rouba ladrão, semanas de perdão”, o que aumentou em muito a punição para o ultra larápio.
“Assombração sabe de quem é a prece”, numa inversão completa do conhecido ditado mineiro de que “assombração sabe para quem aparece”.
“É da barriga da porca que sai o tó e o resmo”, para o qual ainda não consegui saber qualquer provérbio fonte, mas parece ter o óbvio significado que de onde se espera algo é dali que acontecerá o almejado.
“Pau que bate em Chico, bate em Frei Chico”, sem comentários, naturalmente.
“Quem tem muito pinto, precisa de mais canjica”, sem origem em outro ditado conhecido, mas que era dito com certa malícia e duplo sentido.
“Amigos, amigos, negros à parte”, de tom claramente racista para os dias atuais, mas que foi dita por um negro forte e mais velho, possivelmente filho de escravos que haviam naquelas fazendas. Havia em sua fala uma espécie de humor, como que reconhecendo a existência da dura discriminação racial em que sempre vivera.
Já que "quem conta um conto, apresenta um tonto”, paro por aqui, porque “na porta da rua se vê a tia na casa”.
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