Os fantasmas não envelhecem?

Uma lânguida satisfação tomou conta de Edinaldo quando soube que o primeiro namorado de sua mulher havia morrido, não sabia de quê, bastava que estivesse bem morto e enterrado, pois, quem sabe, assim ele deixaria de atormentar seus sonhos, quando aparecia com aquele sorrisinho odioso de superioridade, como se estivesse pensando: eu cheguei antes. 

Edinaldo acordava ansioso, suado e irritado e gastava um bom tempo do dia seguinte se convencendo de que sua mulher o amava, pois sempre fora uma esposa dedicada e carinhosa, tiveram quatro filhos, agora já crescidos, e rarissimamente o nome, Magno, do primeiro namorado surgira em conversas na sua casa. Depois daqueles pesadelos, Edinaldo se esforçava para melhorar seu humor, martirizado por ideias recorrentes e incoercíveis contaminadas pela dúvida sobre os pensamentos de sua mulher nas horas mais íntimas.

Quando tudo retornava ao normal, eis que surge novamente o Magno para azedar sua vida e o que mais incomodava Edinaldo é que nos sonhos o primeiro namorado continuava tão jovem e bonito quanto ele era na época das horas dançantes, que ambos frequentavam na pequena cidade, onde Magno despertava suspiros nas meninas e inveja nos rapazes de sua geração. Enquanto isso, o tempo passava inapelavelmente para Edinaldo, que cada vez mais se sentia envelhecido e impotente diante da juventude exuberante e aparentemente perene de Magno. Nos últimos anos, para maior desespero de Edinaldo, nos pesadelos o rival aparecia ao lado um de seus netos e exibia algumas semelhanças físicas entre eles, como se ele e seu neto fossem parentes.

Edinaldo chegara a comentar seu sofrimento com um amigo que tinha uns estudos em psicologia e outras ciências e ouviu dele que o que sentia era ciúme, um sentimento natural, parte constituinte do ser humano, pois está presente nas mais primitivas sociedades. Um instinto extremamente forte, como em todas as espécies animais em que os machos precisam disputar entre si as fêmeas, que gera desconfiança permanente entre os homens e um código rigoroso de comportamento restritivo imposto a todos com violência, especialmente às mulheres, na tentativa dos maridos evitarem que elas tenham filhos de outros homens. Edinaldo também ouviu do amigo estudioso que Freud estava enganado, pois não desejamos apenas nossa mãe, queremos, sim, todas as mulheres do mundo só para nós e achamos que os outros homens pensam a mesma coisa, então vamos para a guerra.

As explicações do amigo em nada ajudaram e os sonhos continuaram a trazer o primeiro namorado cada vez mais para o cotidiano de Edinaldo, como se o jovem Magno se apropriasse aos poucos de todos os aspectos de sua vida, misturando-se com o próprio Edinaldo. Desde a simples parecença com seu neto às coisas mais recônditas na alma de Edinaldo a sombra de Magno avançava diabolicamente. Houve vezes em que ele se via na pele de Magno transando com sua própria mulher, acariciando-a de formas que ele mesmo não teria coragem de fazer, e ouvindo perplexo ela gemer o nome do jovem amante em espasmos de prazer. Acordava em pânico, via a mulher dormindo serenamente ao seu lado e sentia aumentar o seu ódio pelo ex-namorado da esposa.

Assim, quando soube de sua morte, Edinaldo deixou-se levar pela imaginação, torcendo para que o inferno de fato existisse e Magno estivesse lá, eternamente condenado às piores torturas que se repetirão até o final dos tempos, tendo que todos os dias sentir o seu rosto envelhecendo e se decompondo até os ossos, ver seu pau murchar e virar uma tripa inútil, assistir sua mulher transando na sua frente e gozando despudoradamente na sua cara com todos os diabos imagináveis e descobrir horrorizado que todos os filhos e netos que você criou são filhos do demônio e que você, Magno, não passa de um merda, medroso, covarde e inútil.

Edinaldo decidiu não comentar com sua esposa a morte de Magno e passou um dia excepcionalmente bem-humorado. À noite, sonhou que ele também morrera e depois de passar por umas nuvens sombrias, onde índios se espancavam com porretes por causa de ciúmes de suas mulheres, Edinaldo encontrou seu rival Magno à porta do inferno com aquele sorrisinho: eu cheguei antes.

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