In sides
Ao lado da pequena ponte desliza pela direita uma tênue trilha de folhas secas em direção à quase floresta e jamais me aventurei por ela, apesar de cogitar brevemente por muitas vezes fazê-lo. Grandes aranhas nas proximidades parecem tecer uma barreira natural à passagem, uma de minhas desculpas. Grupos de adolescentes da favela ao lado usando drogas longe do olhar dos guardas municipais, outro receio realimentado pelo cheiro de maconha ocasionalmente trazido pela brisa que trespassa a mata de transição, nem serrado, nem atlântica, ressequida pela chuva ausente há mais de cem dias, outro motivo razoável para não me desviar do caminho limpo e varrido. O morador solitário que vive pelo parque há décadas poderia estar por ali e, assustado com minha presença, sacar um pedaço de metal de sua insanidade confundindo-me com uma de suas paranoias. Homens fazendo sexo poderiam chocar meu pudor convidando-me para participar da festa e eu não saberia o que fazer para manter minha coerência hétero sem ser grosseiro e preconceituoso. Obrigado, agora não, tenham uma boa tarde... ou bom dia, desculpem.
Hoje, talvez animado pela claridade que o sol de setembro trazia por entre as folhas das árvores e que iluminava a trilha adiada, penetrei de súbito por ela com o coração disparado e os sentidos alertas, antes que minha vontade fosse dominada pelos receios imaginados. Passei a ser ocupado pelo som de gravetos e folhas se quebrando sobre meus passos, as mil tonalidades entre o verde e o preto amarronzado da vegetação, o cheiro de umidade emergindo das bordas do fio de água que eu seguia a montante em direção à nascente, que eu sabia existir em algum ponto da mata, onde eu jamais estivera, espantei-me, à toa, pensava.
Enquanto eu avançava pelo mato, ficavam para trás o recém renovado temor de uma guerra nuclear, a angústia antiga do aquecimento global, as eternas reformas políticas que estraçalham o estado pressuposto numa constituinte incômoda para as elites, além do colesterol e minhas placas de cálcio nas coronárias. Havia apenas o desejo de seguir adiante para descobrir de onde vinha aquela água translúcida que corria por entre seixos e pequenos bancos de areia, transluzindo brilhinhos dourados e murmurando globglobs suaves. Um pássaro atravessou meu caminho antes que eu pudesse ver suas cores, outro trinou um piado prolongado e gutural antecipando um acasalamento promissor, um pequeno tronco caído e enegrecido desmanchou-se sob minha pisada revelando sua metrópole de cupins aterrorizados pela hecatombe de seu silencioso sistema social eternamente à sombra.
Adiante, lá estava ela, a nascente, uma poça d’água imóvel, quase despercebida e protegida por milhares de folhas diferentes que crescem como uma orquestra ao redor do instrumento mestre, formando como se fora a arquibancada de um pequeno estádio repleto de tremulantes bandeirinhas verdes, seguidas por uma rodeada de ramos e troncos vivos cada vez mais espessos em espalhamento centrífugo, até continuarem indistinguíveis das altas árvores, cujas copas oscilavam lentamente com o vento, o que produzia um enorme silêncio por ser então o único ruído em todo o ambiente.
Destemido, surpreendi-me cantarolando mentalmente: Quem tem medo do Lobo Mau, Lobo Mau... e tentei avançar um pouco mais em direção ao mato, mas fui barrado pela trama vegetal que se adensava no aclive do terreno, além de uma árvore tombada e apodrecida, cujos galhos partidos pareciam membros arrancados de um cadáver. Percebi o cheiro de algum animal em decomposição que se sobrepôs a todos os aromas anteriores e divisei a alguns metros os restos do corpo de um pequeno cão, um cão Andaluz, pensei, sem atinar de imediato com o sentido desta imagem. Apoiei minha mão sobre uma pedra no barranco para tentar ver se havia algum caminho para além do tronco caído e o contato com a superfície lisa e fria lembrou-me o mármore do túmulo onde estão enterrados meu pai e minha mãe.
Subitamente, tomei consciência do risco real de haver alguma cobra sobre a folhagem que eu pisava, cujo colorido em marrons e amarelos cinzentos passou a ser exatamente a estampagem de uma cascavel, o que me fez dar o primeiro de todos os passos de volta. Passei pela nascente e refiz na contramão minha entrada na mata, contendo uma certa pressa, mas argumentando que era mais razoável retornar ao caminho limpo e seguro.
Hoje, talvez animado pela claridade que o sol de setembro trazia por entre as folhas das árvores e que iluminava a trilha adiada, penetrei de súbito por ela com o coração disparado e os sentidos alertas, antes que minha vontade fosse dominada pelos receios imaginados. Passei a ser ocupado pelo som de gravetos e folhas se quebrando sobre meus passos, as mil tonalidades entre o verde e o preto amarronzado da vegetação, o cheiro de umidade emergindo das bordas do fio de água que eu seguia a montante em direção à nascente, que eu sabia existir em algum ponto da mata, onde eu jamais estivera, espantei-me, à toa, pensava.
Enquanto eu avançava pelo mato, ficavam para trás o recém renovado temor de uma guerra nuclear, a angústia antiga do aquecimento global, as eternas reformas políticas que estraçalham o estado pressuposto numa constituinte incômoda para as elites, além do colesterol e minhas placas de cálcio nas coronárias. Havia apenas o desejo de seguir adiante para descobrir de onde vinha aquela água translúcida que corria por entre seixos e pequenos bancos de areia, transluzindo brilhinhos dourados e murmurando globglobs suaves. Um pássaro atravessou meu caminho antes que eu pudesse ver suas cores, outro trinou um piado prolongado e gutural antecipando um acasalamento promissor, um pequeno tronco caído e enegrecido desmanchou-se sob minha pisada revelando sua metrópole de cupins aterrorizados pela hecatombe de seu silencioso sistema social eternamente à sombra.
Adiante, lá estava ela, a nascente, uma poça d’água imóvel, quase despercebida e protegida por milhares de folhas diferentes que crescem como uma orquestra ao redor do instrumento mestre, formando como se fora a arquibancada de um pequeno estádio repleto de tremulantes bandeirinhas verdes, seguidas por uma rodeada de ramos e troncos vivos cada vez mais espessos em espalhamento centrífugo, até continuarem indistinguíveis das altas árvores, cujas copas oscilavam lentamente com o vento, o que produzia um enorme silêncio por ser então o único ruído em todo o ambiente.
Destemido, surpreendi-me cantarolando mentalmente: Quem tem medo do Lobo Mau, Lobo Mau... e tentei avançar um pouco mais em direção ao mato, mas fui barrado pela trama vegetal que se adensava no aclive do terreno, além de uma árvore tombada e apodrecida, cujos galhos partidos pareciam membros arrancados de um cadáver. Percebi o cheiro de algum animal em decomposição que se sobrepôs a todos os aromas anteriores e divisei a alguns metros os restos do corpo de um pequeno cão, um cão Andaluz, pensei, sem atinar de imediato com o sentido desta imagem. Apoiei minha mão sobre uma pedra no barranco para tentar ver se havia algum caminho para além do tronco caído e o contato com a superfície lisa e fria lembrou-me o mármore do túmulo onde estão enterrados meu pai e minha mãe.
Subitamente, tomei consciência do risco real de haver alguma cobra sobre a folhagem que eu pisava, cujo colorido em marrons e amarelos cinzentos passou a ser exatamente a estampagem de uma cascavel, o que me fez dar o primeiro de todos os passos de volta. Passei pela nascente e refiz na contramão minha entrada na mata, contendo uma certa pressa, mas argumentando que era mais razoável retornar ao caminho limpo e seguro.
Quando passei pela última teia de aranha antes de chegar na pequena ponte, lembrei-me de Fernando Borges, meu melhor amigo na juventude, e perguntei a ele: quantos anos de vida precisamos para saber onde mora o Lobo Mau?
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