A pele humanoide

 Sou admirador da nossa criatividade, mas esta nova descoberta deixou-me encantado: a pele capaz de substituir a humana original, eventualmente desgastada, ferida ou perdida. Resultado de muito tempo de pesquisas realizadas numa das primeiras startups africanas, a Human Genhome, de Nairóbi no Quênia, a nova pele possui as propriedades básicas naturais desta que todos conhecemos, mas adquiriu habilidades automáticas, inimagináveis até agora, que vão melhorar profundamente nossa vida e nossas relações com as demais pessoas. Para começar, a nova pele é idêntica, para todos os indivíduos, em sua matriz biológica, mas é capaz de reconhecer imediatamente quaisquer variações de tonalidades na cor e aparência e assume imediatamente a aparência do grupo étnico ao qual a pessoa se sente pertencente, variando de acordo com a exposição ao Sol e com as necessidades de Vitamina D de ácido fólico. Sua textura também se adapta instantaneamente às diferenças de gênero, de tal forma a se constituir suavemente na consistência mais lisa e delicada nas mulheres e mais espessa e pilosa nos homens. A resistência da nova pele às infecções é maior do que a atual por causa da introdução de anticorpos permanentes em sua trama subcutânea, resultantes de vacinas contra diversas doenças conhecidas que foram adicionadas ao sistema de produção do tecido biológico. Se até aqui já podemos estar admirados, nada disso se compara às propriedades neurológicas, digamos assim, da nova pele. Ao ser tocada por outra pessoa, a nova pele emite instantaneamente sinalizadores para o sistema nervoso, ativando em maior ou menor intensidade os receptores de ocitocina (um hormônio liberado especialmente na hora do parto, fundamental para as relações entre os mamíferos), o que permite o reconhecimento automático das intenções afetivas da pessoa que se aproxima, ajustando nosso comportamento de forma adequada e espontânea. Diante do toque de uma criança, por exemplo, nosso cérebro diminuirá sua agressividade, aumentará a paciência e estimulará nossa criatividade para brincadeiras e coisas engraçadas. Se tocarmos pessoas amadas, imediatamente a nova pele ajusta nossa voz, nossos movimentos e postura, adaptando-nos como se fôssemos bailarinos em harmonioso relacionamento. Caso um idoso, um inválido, um doente ou alguém mais pobre pouse sua mão carente sobre nossa nova pele, reconheceremos instantaneamente sua necessidade especial, sua fome ou seu desejo de carinho, o que desencadeia de pronto atitudes solidárias e empáticas em nosso comportamento. Ao sermos tocados por alguém que nos deseja tanto mal quanto um estuprador, entramos em estado de alerta, num processo de defesa de nossa dignidade e em busca de soluções protetoras coletivas no grupo social ao qual pertencemos. No grupo, basta a vítima aproximar sua pele da pele nova de alguém para seu pedido de socorro ser acolhido e ela ser protegida e jamais ser considerada culpada pela agressão. Além disso, se um possível estuprador estiver usando a nova pele, ao se avizinhar maldosamente de outra pessoa a sua própria pele emitirá sinais nervosos extremamente desagradáveis e inibidores do seu impulso violento, reduzindo a chance do ataque. No entanto, uma das propriedades mais radicais da nova pele é a terrível alergia que ela apresenta quando entra em contato com armas, empolando-se numa urticária pavorosa, o que poderá reduzir a violência entre nós. O único problema da nova pele é que ainda não se encontra à venda. Teremos que renascer com ela.

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