Eu era pequeno e meu Pai disse: Toma, cuida deste planeta, mas não interfira no seu destino.
Prometi obedecer e passei a cuidar daquele pedaço de pedra, onde coisas começaram a acontecer.
Surgiu água e terra, céu e mar.
Apareceu a vida e ela se espalhou por toda parte.
Eu ficava ali, me divertindo com o rumo que as coisas tomavam.
Depois de uns bilhões de anos, surgiu um animal um pouco diferente: ele pensava!
Fiquei admirado com suas habilidades mentais durante uns 200 mil anos, caçando, coletando alimentos e formando tribos que se espalharam por todo o planeta.
Eles criavam objetos e domesticavam plantas e animais, mas depois havia uma guerra ou uma epidemia, os mais velhos morriam e todos perdiam aquelas informações e tinham que recomeçar do zero.
Fiquei comovido com aquela situação e aproveitei uma distração de meu Pai para introduzir, disfarçadamente entre aqueles seres, a escrita. Agora, poderiam conservar sua sabedoria.
Eu não via nenhum perigo, meu Pai se enganara.
Rapidamente, aqueles animaizinhos começaram a registrar tudo o que acontecia ao seu redor e foram descobrindo as leis da natureza, como as coisas realmente funcionavam.
Aqueles que adotaram a escrita se tornaram mais ricos, comiam melhor, ficaram mais numerosos e por isso mais poderosos e começaram a dominar os outros. Num piscar dos meus olhos, havia impérios por toda parte, que eram cada vez mais ampliados com sangue, morte e destruição. Cresciam até acabar com todas as árvores e animais ou até serem destruídos por outra horda de guerreiros.
Pensei em tomar de volta a escrita, mas meu Pai andava por perto e fiquei com medo de levar uma bronca.
Em todo império que surgia o imperador se dizia descendente direto de meu Pai e escrevia um livro que todos deviam ler e obedecer. Quem discordasse era preso, torturado, enforcado, decapitado, empalado, queimado, afogado, apedrejado, jogado aos leões, estrangulado, pisoteado, eletrocutado, guilhotinado, envenenado em câmaras de gás ou fuzilado.
Como estas mortes não eram suficientes para convencer os infiéis, os pequenos seres inventaram uns explosivos que matavam centenas de milhares de uma vez, instantaneamente, e os que sobravam continuavam morrendo de queimaduras aos poucos.
Apesar desta matança, a população daqueles bichinhos tão simpáticos, especialmente quando bebês, foi aumentando até que o planeta começou a esquentar por causa da enorme quantidade de energia que eles consumiam, botando fogo em tudo e produzindo uma fumaceira infernal. A maior parte das formas de vida já estava extinta e naquele ritmo não sobraria mais nenhuma por ali.
Pensei novamente em tirar deles a escrita, mas meu pai continuava por perto e agora eles tinham um sistema novo de comunicação, que usava máquinas inteligentes, que dispensava a escrita e adivinhava os seus pensamentos e desejos apenas com um toque ou um movimento dos olhos.
Tornaram-se bilhões de indivíduos, mas apenas alguns poucos podiam fazer o que queriam, alimentando-se bem, protegendo-se das doenças e dos perigos, divertindo-se pelas partes boas do planeta com todo o conforto. Os outros levavam uma vida terrível, trabalhando até a morte e acreditando que depois de mortos viriam viver na casa de meu Pai.
Apesar de eu não conseguir perceber muita diferença entre eles, cada bichinho se achava pertencente a uma raça superior. Havia sunitas, xiitas, semitas, arianos, iraquianos, persas, malaios, hindus, bantos, hutus, tutsis, tchetchenos, armênios, turcos, belgas, alemães, brasileiros, mineiros, paulistas, astecas, incas, canadenses, esquimós, flamenguistas e cruzeirenses. E eles se matavam também por isso.
Foi então que meu Pai se aproximou e perguntou: O está acontecendo com o seu planeta?
Eu disse: Nada. Só está esquentando um pouco e enfumaçado.
Meu Pai: Você mexeu nele?
Respondi: Eu? Nãããão!
E fomos jantar.
Lor, vc não existe! Como é bom lêr e ir imaginando o seu semblate que conheço tanto, cheio de expressões divertidas, ao contar essa sua fábula aos netos! Saudades de vc e de toda a sua família! Beijo da Clarinha.
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