Bastidores de um desenho: À força da grana (versão atualizada 2022)
Os comentários feitos pela minha filha Luíza de Oliveira Rodrigues, médica, feminista e ativista pela humanização do parto, fizeram-me mudar de opinião sobre o cartum sobre prostituição publicado nesta semana.
Acima,
a nova versão do cartum e abaixo a nossa conversa.
Luíza
Vi
agora seu cartum. Mas não sei se concordo...
Estupro
é sexo não consensual.
Na prostituição, há consenso na troca do sexo pelo dinheiro.
Por
mais que muitas vezes as prostitutas (e os prostitutos...) sejam realmente
estupradas (e isso é uma outra questão...), entendo diferente uma coisa da
outra. Porque prostituição é venda de sexo. É uma objetificação do corpo sem
dúvida, mas não uma violação, no sentido de violar a lei do outro.
Não
acho que seja a mesma coisa.
Acho
triste sim, meninas e meninos, mulheres e homens, terem que vender o próprio
corpo. Mas é diferente de estupro. Conversemos.
LOR
Pode
haver sexo consensual entre duas pessoas quando uma está vulnerável, com baixa
autoestima, na miséria, com fome e o outro com dinheiro na mão?
No
mais, concordo que não é a mesma coisa, mas eu precisava usar uma força de
expressão mais contundente para desabafar minha revolta com o cinismo da
sociedade capitalista diante da prostituição.
LUÍZA
Pode
haver consenso sim, mesmo em relações de poder assimétrico. Assim como os
trabalhadores pobres que são explorados (e muitas vezes se colocam em situações
de muito risco de vida) não são escravos, prostituição não é estupro. Há sim
uma vulnerabilidade do lado explorado, mas dizer que é estupro ou escravidão é
inclusive desmerecer a vítima de estupro e da escravidão, que estão numa
situação ainda pior de violação.
Além disso, nem sempre a prostituição se dá neste contexto. Acho importante
desconstruir essa imagem. Acredito sim que haja um cinismo quanto à
prostituição, mas não acho que seja um produto único do capitalismo, até porque
é uma prática que precede este sistema.
Dá
uma lida neste artigo:
http://www.sul21.com.br/jornal/prostitutas-defendem-regulamentacao-da-profissao-em-evento-na-assembleia/
Os
trechos: “A antropóloga Sílvia Beatriz Mendonça apresentou seu estudo Putas
santas, Putas putas: questões de escala e o que nos une, em que destacou que a
mulher prostituída é “estigmatizada por estar transgredindo o que é definido
para a mulher, usando sexo como poder transformador”. Ela criticou ainda a
ideia das mulheres como frágeis, que não “escolheriam essa profissão por
vontade”. “Isso coloca mulheres em uma posição muito complicada, em que
algumas são vítimas e outras pensam ser salvadoras”, apontou.
A organizadora do evento, Monique Prada, trabalhadora sexual, ativista digital
e coeditora do projeto Mundo Invisível, apontou que essa “escala de putice” é o
que afasta as mulheres uma das outras. “Eu trabalho em site então [se pensa
que] devo ser chique e em alguns lugares do movimento não sou bem-vinda. Mas o
que me afasta de vocês é que eu trabalho pela internet, e o que me afasta de
outras mulheres é que eu preciso cobrar por sexo. É o meu trabalho. Somos,
apesar disso, todas iguais”, afirmou.
Portanto,
fica claro que, diferentemente da situação que você descreve, da prostituição
de pessoas em condições vulneráveis, quase como ausência de escolha, é real e
muito frequente. Mas não é a única forma de prostituição.
Acho
que um pouco da repulsa à ideia de prostituição que temos é permeada pelas
fantasias pessoais dos sentidos que um envolvimento sexual significa.
Enfim,
conversemos.
LOR
Você
me convenceu de que não devo usar a expressão estupro como sinônimo de
prostituição.
Mudei para ABUSO.
Entrei
no link que indicou e li os depoimentos e vi algumas outras páginas na
internet, em especial um blog “Se eu fosse puta”.
Minha
impressão geral é de que, se na história de vida destas pessoas não houvesse a
miséria, o abandono familiar, a violência doméstica, a perda da autoestima e a
necessidade de sobreviver trocando o sexo por dinheiro, as mulheres e homens
que se prostituem não escolheriam este tipo de vida.
Outra
coisa, a partir de minhas leituras amadoras sobre antropologia, não creio que
exista prostituição em sociedades sem classes sociais.
O capitalismo é uma evolução (não no sentido para melhor, mas simplesmente no sentido de transformação de uma coisa em outra) das sociedades de classe que começamos a construir há cerca de 10 mil anos, a partir da domesticação de alguns animais e do desenvolvimento da agricultura (ver Jared Diamond: “Armas, Germes e Aço”). Durante os 90% do tempo de nossa existência humana (Sapiens sapiens), vivendo como caçadores coletores, o sexo era elemento fundamental de ligação social, criando os laços comunitários a partir das relações de parentesco (como, aliás em outros primatas sociais). Por isso o sexo é revestido de significados culturais importantes.
Vender
o próprio corpo significa na prática um extremo “desapoderamento” (no sentido
do texto que você mesma publicou hoje no jornal O Tempo- ver aqui o
artigo da Luíza ). Por isso a prostituição não me parece uma
profissão como outra qualquer, como pretendem algumas pessoas. Todas as
profissões carregam consigo a noção de que “o trabalho (supostamente)
dignifica”, enquanto praticar a prostituição é considerado desonroso (ver os
depoimentos dos blogs que comentei acima).
Por
último, mas não menos importante, continuo achando o Jean Willis (PSOL) o
melhor deputado federal atualmente, e compreendo que regulamentar a
prostituição como sendo um mal menor, como o Bolsa Família ou o Fome Zero são
soluções paliativas enquanto não conseguimos mudar o gerador da fome, da
miséria e da prostituição, os sistemas de classes sociais, atualmente sob a
forma do modo de produção capitalista.
Vamos
conversando.
Atualização em 2022
Vale a pena ler o depoimento, em 2022, de Rachel Moran , uma jornalista que teve que se prostituir para sobreviver durante 7 anos.
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