Há vários anos, duas vezes por dia, sou obrigado a ouvir um vizinho acelerando o motor de seu carro, provavelmente um chevrolet opala de 6 cilindros, sonho da rapaziada nos tempos da ditadura militar brasileira. Às 9:45 e às 17:45 ouço o ronco contínuo e grave do escapamento aberto, com aceleradas intermitentes, durante exatos 15 minutos. Imagino que seja um carro que permanece na garagem como relíquia saudosista da juventude de seu dono e que precisa funcionar de vez em quando para recarregar a bateria e desenferrujar as engrenagens. Daqueles que são exibidos ocasionalmente em encontros de colecionadores nostálgicos, que dão mais valor às suas preciosidades mecânicas do que aos seus próprios corpos, como o homem enfurecido que ameaçou de morte meu neto no estacionamento de uma padaria porque o menino passou a mão no seu retrovisor lateral. Não conheço esse meu vizinho pessoalmente. Mudou-se para cá, uns anos antes da pandemia de COVID, depois de reformar a casa original, daque...