Ainda estamos aqui... eles também
Na semana passada, que antecedeu a tempestade política que se aproxima
com a conclusão do julgamento dos bandidos - que planejavam um golpe de estado
com o assassinato de Lula, Alckmin, Moraes e possivelmente inúmeras outras
pessoas, - estive junto com dois jovens e grandes cartunistas, o curitibano Guilherme
Caldas e o franco-brasileiro Matthias Lehmann (aliás,
sobrinho do mineiro Roberto Drummond), participei da exposição e da mesa
redonda intituladas “Ainda estamos aqui”, que foi mediada pela professora de
História Mara Barbosa, durante a Bienal de Quadrinhos de Curitiba, a oitava
edição que terminou ontem com a participação de milhares de visitantes.
Cada um de nós respondeu a perguntas da Mara e da plateia sobre nossos próprios livros, cujos temas têm em comum é o fato de que são histórias sobre o período da ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1984. Falamos então sobre o meu “Retrato Falado” (3 edições 1978, 2003 e 2023), depois “1968 - Ditadura Abaixo” de Teresa Urban e Guilherme Caldas (2023) e “Chumbo” de Mathias (2023).
Apresento as capas
dos livros discutidos e sugiro a todes a sua leitura, pois mesmo eu - que sobrevivi
àquela época, aprendi coisas importantes com as obras de meus colegas.
A conversa girou em torno do ambiente ideológico que havia
na época da ditadura militar e suas semelhanças ou não com o momento atual. Sobrenadou
nas falas o sentimento de que nas décadas de 60 e 70 havia uma guinada política
para a direita em diversos países, como resultado de Guerra Fria e como tentativa
de conter as lutas de libertação contra o colonialismo e reivindicações da
juventude, a qual não mais queria se calar diante do conservadorismo de
costumes e desigualdades sociais.
Diferentemente, a onda para a direita atualmente se alimenta do
desencanto dos trabalhadores com as promessas democráticas do período pós Segunda Guerra e o
predomínio do neoliberalismo como instrumento de desenvolvimento do capitalismo, que resultou na desarticulação dos sindicatos e associações
que buscavam soluções coletivas. Tudo isso aumentou o individualismo, a
competição e a meritocracia, que se beneficiam das redes sociais e seus
algoritmos para nos polarizarem em cliques de ódio para que seus donos lucrem trilionariamente.
Em todo o mundo parece haver uma divisão insuperável entre
quem mantém a esperança de soluções construídas no consenso coletivo e quem acredita nas soluções pela força econômica ou militar.
Lembramos na conversa na Bienal que a extrema direita não tem
compromisso com a verdade e que captura seus seguidores por meio de narrativas
falsas que estimulam o ódio ao diferente, ao estrangeiro, os quais são então responsabilizados
pelas dificuldades econômicas e pela criminalidade. Assim, o medo generalizado justifica
a plataforma da violência das forças de segurança, as cercas elétricas, as
câmeras de (in)segurança, o racismo policial e o Estado militarizado.
Se por um lado ainda estamos aqui, nós que sobrevivemos ao
terror da ditadura, por outro lado, aqueles que nos prenderam, torturaram e mataram
nossas companheiras e companheiros continuam articulados em torno da extrema
direita, ameaçando-nos com suas armas de sempre, os punhais verde-amarelo coloridos pelo ódio e pelo
desejo de destruir aquilo que eles não entendem: a igualdade, a fraternidade, a
liberdade e a democracia.
Eles querem nos levar de volta para o Século 18, para antes
da Revolução Francesa.
Lor
Em breve, se ainda estiver aqui, falo mais sobre a
Bienal.
Excelente, LOR!
ResponderExcluirExcelente, Lor. Cartunistas são cronistas que, através do traço e da palavra, nos ajudam a sobreviver à estupidez dessa chusma de imbecis que promovem à solta a desinformação, com o interesse de moldar as instituições ao avesso dos ideais de igualdade, fraternidade, liberdade, democracia (hoje, lamentavelmente, com forte apelo populista-eleitoral).
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