O sentido da vida e a pandemia

 


Percebi na expressão corporal de meu neto Francisco que a conclusão a que chegara em seu trabalho para escola, de que a vida não tem sentido, era mais do que um simples pensamento lógico, pois senti sua profunda angústia sobre o que fazer, então, com a própria vida a partir de agora, a caminho de completar seus primeiros quinze anos.

Esperei que terminasse sua apresentação no computador e disse-lhe que gostei da estrutura de seu pensamento, das fontes de informação que usou, das pessoas que entrevistou, incluindo meu amigo Romeu Guimarães, assim como dos textos do Ailton Krenak. Estava tudo muito bem colocado e acrescentei que concordaria com ele se eu usasse o mesmo significado de “utilidade” que ele havia dado à palavra "sentido".

Sim, não há utilidade evidente numa vida que surge por casualidade num dado momento e local do Universo, do qual também desconhecemos a origem, e que está fadada a desaparecer nas próximas eras, inevitavelmente. E, especialmente do ponto de vista de nossa insignificância pessoal, parece que não há nada que possamos fazer a respeito.

Um pensamento muito angustiante. Lembrei-me de que esta dúvida inquietante sobre qual é o sentido da vida foi a conclusão desanimadora de anos de psicanálise: não tem solução, disse-me o psicanalista. O que encerrou a tentativa de curar minha crise existencial por aquele caminho.

Reconhecendo na face do Francisco e talvez no seu quarto de genes a mesma ansiedade para dar um sentido à própria vida, disse a ele que há outros significados para a palavra sentido, como direção, fluxo, tendência, importância ou finalidade, além de utilidade.

Depois de alguns exemplos, concordamos que, independentemente da utilidade, pode haver um sentido (como propósito) comum a todas as formas de vida. Algo fundamental, que seja parte do próprio conceito de vida.

E o que seria? A vida é um estado da matéria num certo ambiente, que permite temporariamente aos elementos formarem uma determinada organização que precisa ser transmitida adiante. Ou seja, a vida é o fluxo deste estado da matéria ao longo do tempo.

O carbono, o nitrogênio e a água não são vivos, mas se forem organizados na forma de um aminoácido, podem se tornar parte da vida, se houver um ambiente adequado, uma célula, por exemplo. Por sua vez, a célula somente pode existir em condições específicas de nutrientes, temperatura, pressão, umidade, radiação etc.

Esta célula e seu ambiente interagem de tal forma que se modificam mutuamente e por isso este arranjo não pode durar infinitamente. Para a vida continuar existindo, aquele estado especial de organização da matéria precisa se renovar e nesta renovação está o fluxo da vida: a reprodução. Descartar o que foi usado, envelhecido, esgotado ou degradado e recomeçar um novo arranjo entre a matéria e seu ambiente.

Assim, o sentido da vida para todos os seres vivos e seus ambientes, inclusive nós humanos, é a reprodução da própria vida, passar o bastão adiante. Cada espécie desenvolveu sua própria maneira de realizar este desígnio geral. Algumas se duplicam, outras fazer sexo, outras criam sociedades complexas como a nossa, mas todas as formas de vida atendem ao princípio fundamental de manter acesa a chama da vida.

Na nossa espécie, evoluímos para lidar com as intrincadas relações sociais que organizam nossa reprodução e o sentido da vida para cada indivíduo é o papel que lhe cabe no coletivo. Não existimos sem os outros, por isso o sentido da vida está no coletivo.

Este coletivo humano desenvolveu sociedades complexas, culturas e civilizações que organizam os bilhões de seres que se espalharam por todos os ambientes da Terra. Então, preservar a nossa vida é preservar o ambiente em que surgimos com toda a sua diversidade, pois sem este ambiente não existirá vida humana. Aí, lembramos de nossa conversa anterior sobre a importância de ser formigas ( VER AQUI ), mas chegou a hora do Francisco ir embora.

Estávamos nos despedindo na frente da casa, quando vimos a pitangueira carregada de pequenas e lindíssimas flores, mini fogos de artifício explodindo entre as delicadas abelhas que pousavam nelas inebriadas pelo pólen, um fragmento do grande ambiente do mundo, realizando mais uma vez o sentido da vida.

A pandemia?

Havíamos esquecido dela, até o momento em que cada um pegou sua máscara para entrar no carro. Uma sombra turvou nossos pensamentos, instantes antes maravilhados pela vida exuberante no jardim. Lembramos que por causa das mentiras e ações deliberadas de um presidente fascista quatrocentas e oitenta e duas mil vidas já haviam sido perdidas no Brasil até aquele dia.

Absolutamente sem sentido.






















Comentários

  1. Um sentido não se configura de modo que satisfaça nossas necessidades de hoje. Tenhamos calma e paciência. Há muito ainda a percorrer e pode ser que nossas necessidades mudem ou outras alternativas surjam. No momento atual, as perspectivas razoáveis são de integração em coletivos, à nossa escolha, que são muitas, e de integração ao desenvolvimento ecológico, que significa, integração à Terra que nos sustenta. São desafios. A vida é uma sucessão de superações. Infindável, talvez. Tudo repleto de contradições.

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  2. Que bela reflexão Lor.
    Será que realmente estamos dando sentido ao nosso viver? Creio que muitos estão se reinventando, se remodelando frente aos novos desafios de sobrevivência.
    Muito profundo seu relato. Despertar_se diante da maravilhosa obra divina: VIDA.

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