Filosofia do palavrão


Fui conhecer um pouco da obra daquele cidadão norte-americano que se diz brasileiro e filósofo, porque não quero ser um idiota, uma das palavras agressivas que o tal escritor usa frequentemente, inclusive no título de um de seus livros.

O que vi nos seus textos e vídeos foram críticas à esquerda, à globalização, à liberdade sexual e a outros comportamentos modernos, que o autor denuncia como parte de uma conspiração marxista e comunista orquestrada pela elite global financeira e intelectual. Não é a primeira vez na história que este tipo de fantasia paranoide serve de propaganda populista, como durante o avanço nazista na Segunda Guerra Mundial, e este argumento absurdo já foi várias vezes desmistificado.

O próprio escritor confessa não ter nenhuma proposta para ao futuro, nenhum modelo de sociedade, mas que gostaria de retomar os valores de duzentos anos atrás (ver entrevista com Pedro Bial em maio de 2019). 

É fácil sermos levados a concordar com ele de que há diversos problemas importantes na política, no judiciário, nas universidades, nas Forças Armadas e até mesmo na democracia. O difícil é sermos capazes de propor soluções para que estes problemas sejam diminuídos ou sanados. Isto, o autonomeado professor diz que não sabe.

O que chama a atenção, no entanto, é a forma como ele expõe seus pensamentos, os quais são veiculados com agressividade e muitos palavrões, o que às vezes nos faz duvidar se ele estaria sóbrio durante alguns vídeos.

Qualquer que seja a causa (psicológica, neurológica, etílica) do comportamento verbal agressivo do ídolo do presidente eleito, acho que vale a pena compreender o significado dos palavrões que ele usa.

É bom lembrar que os palavrões nos ocorrem em situações de estresse nas quais abrimos mão da racionalidade (controlada por áreas cerebrais superiores que amadurecem a partir da infância até a adolescência) e substituímos a lógica e o pensamento racional por expressões verbais mais primitivas (originadas em outras áreas cerebrais relacionadas com a raiva, o medo, o desejo sexual, a necessidade de evacuar ou urinar, etc.).

Assim, pressionados emocionalmente em determinadas circunstâncias, retomamos os comportamentos primitivos para tentarmos expressar a supremacia física dos nossos antepassados primatas.

Ou seja, falar palavrões é um comportamento mais primitivo (e rápido) do que encontrar a palavra certa para enfrentar uma determinada situação. Por exemplo, “Seu filho da puta! ” costuma vir a substituir “Você me ultrapassou em local proibido e me fechou abruptamente, causando-me um susto que me disparou o coração e trouxe grande medo de eu ser abalroado, de perder o controle da direção e sofrer ferimentos com consequências fatais! ”. 

Às vezes não dá tempo, claro.

Além disso, o uso do palavrão pode se tornar um hábito linguístico como parte dos símbolos de status social em comunidades com menos recursos no cardápio de palavras, com menor escolaridade e maior violência intrínseca nas relações humanas. Por exemplo, o adolescente que abusa dos palavrões pode estar em busca de reconhecimento de sua masculinidade, ou o prisioneiro que quer se mostrar durão para os companheiros de cela, ou o político que quer parecer sincero e contra “o sistema”.

Com estas perspectivas, vamos examinar alguns dos principais palavrões expelidos pelo auto-filósofo, que justificou seu emprego em público porque ele os usa nas conversas habituais em qualquer lugar com qualquer pessoa. Portanto, seria próprio da sua “origem popular e humilde”, explica-nos o pensador com um sorriso populista.



Porra

Uma das preferidas do guru é a palavra “porra” para demonstrar sua superioridade de gênero, lembrando-nos das regras machistas vigentes no mundo em que vivemos, no qual basta nascer com órgãos genitais que produzem a tal porra para se receber privilégios congênitos. Como se fosse o chicote pendurado nos locais onde os escravos trabalhavam.

Exemplos, “Bota cada filho seu num ministério, porra! ”. Às vezes pode ser usada para reclamar de algo que desconhecemos: “Não consigo entender essa porra de meio ambiente! ”.

Filho da puta

O seu uso supostamente indica que o guru pensa que ser prostituta é uma questão de mau caráter e também é um problema hereditário, pois o alvo do xingamento é o filho. Ou seja, o cara é ruim porque herdou da mãe a ruindade. A ciência já demonstrou que determinados comportamentos socialmente errados podem ter um componente genético (ver, por exemplo, as suspeitas de corrução que recaem sobre os parentes do assessor do filho do presidente). No entanto, fica difícil concordar que a prostituição seja uma escolha motivada por defeitos de caráter e não por situações de vulnerabilidade social, como pobreza, abandono, abusos e dependência de drogas, por exemplo.

Interessante lembrar que ele não usa “filho do puto”, indicando que a atividade de prostituição é algo tão inferior que não poderia ser cometida por um homem macho, porra!

Cu

Esta palavra parece exercer um fascínio intenso sobre ele e é frequentemente usada para representar tanto algo ruim (“O nordeste é o cu do mundo! ”), quanto o bem aparentemente mais precioso que um homem pode ter (“Deu o cu, já era! ”).

Quando o palavrão vem a forma de “Vai tomar no cu! “, significa “vai ter prazer anal, seu viado! ”, o que não seria um xingamento em si, não fosse o fato de que ser homossexual é a pior coisa que pode acontecer a alguém na sociedade homofóbica que o escritor defende.

Merda

Não sei bem se para o filósofo braso-americano a palavra tem conotações pejorativas porque a “merda” é expelida pelo horrível cu (ver acima), ou se porque se trata de uma repulsa primitiva a um excremento natural do qual nós animais procuramos nos afastar instintivamente para evitar doenças.

O aprendizado de como lidar com as próprias fezes se dá no começo da infância e é fundamental para nossa inserção social. Com o tempo, amadurecemos e perdemos o medo das fezes e as tratamos com os devidos cuidados de higiene, mas sem pânico.

Usar a palavra “merda” com sentido carregado de simbolismo e agressivo num contexto adulto é uma forma de regredir ao estágio de desenvolvimento intelectual no qual ainda vivíamos o horror de perceber que algo quente nos escorria involuntariamente pelas pernas.

Dizer “Seu general de merda! ” é encerrar o diálogo racional e dar um passo em direção ao conflito físico.

Vai te foder

Quando o guru nos manda realizar esta ação, fico na dúvida se ele está nos dizendo para nos masturbarmos (o que não é um problema em si), ou se é para fazermos sexo com alguém assumindo a posição passiva (o que também não é um problema em si). No entanto, como o xingamento é uma tentativa de agressão, significa que o ato que ele deseja para seu interlocutor é que ele seja submetido a uma violência por meio do sexo, ou seja, que o outro seja estuprado.

Mais uma vez, o mestre do ministro da educação, revela seu pavor da relação anal e da homossexualidade, mas acrescenta agora uma incitação ao estupro como arma de dominação.

Viado

Geralmente é usado pelo auto exilado escritor com o sentido de humilhar alguém por sua preferência sexual, seja ela real ou não, porque sua visão de sociedade não suporta sequer a existência da homossexualidade, a qual se torna para ele sinônimo de máxima degeneração. Gritar “Seu viado! ” não requer explicação ou adjetivo: é a homofobia em estado puro.

Caralho

Usado por ele com o mesmo sentido de afirmação de potência e superioridade da palavra “porra”, embora o uso de “caralho” parece significar um grau mais alto de violência implícita, uma espécie de ameaça subliminar de estupro. Por exemplo, “Tira esse coronel do ministério, caralho! ”.



Existem outros exemplos de palavrões usados pelo guru dos bolsonaristas, mas acho que já deu para entender que todos eles, sem exceção, expressam preconceitos, imaturidade, pouca cultura e primitivismo por parte de quem os usa.

Venho me educando para encontrar a palavra certa para descrever meu verdadeiro pensamento diante de certas situações, sem palavrões.

Diante dos textos e vídeos deste tal escritor filósofo, que me parece ser um intelectual ressentido e medíocre, cujos argumentos se nivelam aos palavrões que usa abundantemente para agredir, humilhar, ofender e evitar assim a racionalidade que contraria suas teses conspiratórias e retrógradas, só me resta dizer:

- Seu, seu, seu... astrólogo!





Agradeço as sugestões de Thalma e Ana para este texto.




Comentários

  1. Tristeza não tem fim. Ele veio para confundir e não para explicar. Querem desconstruir o conhecimento, a cultura e o país.
    Um grande abraço, mestre

    Genin Guerra

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