O fim dos patrões e trabalhadores

 

Ninguém, dentre as centenas de pessoas que conheci nos últimos anos, me respondeu sobre seu trabalho dizendo-se operário, assalariado, empregado ou trabalhador.

Ninguém também se identificou como patrão. Todas as respostas que obtenho são descrições dos aspectos técnicos das atividades que exercem, como se elas fossem profissões autônomas.

Por exemplo.

  • Sou administrador de estoques. 
  • Onde, Seu Jorge? 
  • Na indústria metalúrgica X. 
  • Ah, o que o senhor faz? 
  • Eu reponho a matéria prima nas linhas de operação.
  • Então, o senhor é um operário metalúrgico? 

(percebo o constrangimento do Seu Jorge)

  • Sim... 

Parece haver resistência do Seu Jorge em descrever sua posição na sociedade como pertencente à categoria explícita dos “operários”, talvez assumida por ele como subalterna, inferior, subjugada e sem futuro. Ele não se vê nem mesmo como parte dos “trabalhadores”, o conjunto de todas as pessoas assalariadas, independentemente do valor do salário. 

Ao contrário, Seu Jorge prefere ser chamado de colaborador ou funcionário, identificando-se com a posição técnica ocupada (administrador de estoques, por exemplo), o que sugere haver uma diferenciação hierárquica, que promete nas entrelinhas uma janela de oportunidades de crescimento social através do mérito e do esforço pessoal. 

Assim, nosso trabalhador se sente descolado da massa geral e amorfa, que deve ser deixada para trás de forma individualista no processo de ascensão salarial ou de status. Agarrado à ilusão da meritocracia, cada centavo a mais no seu salário o faz sentir como parte da chamada “classe média”, o que torna mais próximo o seu sonho de um dia ser o patrão.

Quanto mais ele sente que tem chance de se tornar o patrão, mais o Seu Jorge adota posturas para se distinguir dos demais trabalhadores, inclusive com críticas viscerais a um tal Partido dos Trabalhadores.  

Enquanto isso, do outro lado:

  • Ah, sou empresário. 
  • O que o senhor faz na empresa, Seu Carlos? 
  • Sou o proprietário da empresa metalúrgica X.
  • Ah, então, o senhor é o patrão?

(percebo o espanto do Seu Carlos)

  • Sim…

Nem patrões, nem trabalhadores. 

Vivemos numa sociedade ideologicamente dividida em inúmeras categorias de pessoas que competem entre si, sem compreendermos que existem apenas duas classes reais: o dos muito ricos (menos de 1%, os donos do capital - e do mundo) e os demais, que trabalham por um salário, que possuem apenas sua força de trabalho - e a ilusão de fazer parte do 1%.

Minha impressão é de que os esforços da sociedade capitalista para ocultar a luta de classes estão funcionando muito bem.

Trabalhadores do mundo, uni-vos, é o grande perigo a ser evitado, sabem os 1% há quase duzentos anos.

Desunidos, os 99% somos tratados como gado pelos 1%. 

Gado decidido a competir pela canga sobre nossos próprios ombros.


LOR

Trabalhador da saúde 


COMENTÁRIO DA FÁTIMA BUSKO

Um artigo instigante. Me levou a pensar nos conceitos que não necessariamente são opostos: status versus grana.

 

Começando pelo seu Jorge. A opção de sair da categoria “operário” é muito bem-vinda para ele. Se pensarmos numa pirâmide social (status), onde estaria ele? Perto da base, mas acima do lixeiro, que por sua vez estaria acima da empregada doméstica, que por sua vez acima da prostituta.

 

Quando LOR assina o artigo - trabalhador da saúde -, desloca-se da posição do topo da pirâmide, pois sabemos que ser médico é ocupar tal lugar. Muito fácil ver as diferenças entre os sentimentos de ambos, enquanto Jorge se sente constrangido, LOR se afasta consciente e, talvez orgulhoso (e com razão). O primeiro não tem opção.

 

E um Bezos, acredito que está na pirâmide da grana, será? Como sou tendenciosa para psicologia evolucionária, acredito que na realidade a grana é somente um meio de chegarmos ao que realmente queremos que é o status. No entanto, não sei se os Jorges da vida conseguem distinguir os conceitos tão claramente. Os abaixo deles acreditam que pirâmide da grana é a meta. Os mais abaixo, estarão focados resolvendo o problema da fome e onde dormir.

 

Um dos problemas com a palavra trabalho, é que há muito criamos um conjunto grande de subdivisões, as quais vemos na nossa pirâmide. Será que teremos como consertar isso? Quantos LORs nas diversas especializações estariam dispostos a pensar no assunto? Outro detalhe, como retomar a distorção feita pela direita, em relação a palavra trabalhador, e trazermos os Jorges para nosso barco?

 

Um abraço,

 

Fátima Busko

 



 


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