O Mickey e o Bolsonaro
Meu primeiro impulso foi bloquear sua inscrição quando você surgiu como meu seguidor neste blog, usando como avatar uma carinha de Mickey enfezado e a identidade de #bolsonaro agora. Pensei que não queria que meus desenhos e textos fossem automaticamente enviados para alguém que admira um presidente que, entre outras coisas com as quais não concordo, defende a tortura.
Mas hesitei.
E se você, Mickey, for um jovem? Porque os jovens, mesmo quando estão errados, têm muitas razões e precisamos ouvi-las.
Algumas pistas sugerem que você seja uma pessoa com menos de quarenta anos, portanto um jovem para mim, como o uso do desenho do Mickey, do hashtag das redes sociais (#), o bolsonaro em minúsculas e a impaciência típica da juventude no “agora”.
Claro que posso estar enganado e você vir a ser um ou uma pessoa mais velha que defende as ideias conservadoras e centenárias (elitismo, nacionalismo, xenofobia, machismo, racismo, homofobia, posturas anti ciência, etc.) que foram condensadas no perfil do presidente eleito dentro das regras democráticas nas últimas eleições, o qual conta com o apoio de três quartos da população neste momento.
Por falar neste momento, Mickey, nosso atual presidente acaba de sair do hospital e espero que recupere plenamente sua saúde para exercer o mandato completo de quatro anos que a maioria dos brasileiros lhe conferiu. Creio que é preciso que suas propostas sejam testadas no jogo democrático e nós, eleitores, aprimoremos um pouco mais o ato de votar nas próximas eleições. Além do quê, o Brasil tem uma triste experiência com os vices que assumiram a presidência, excetuando-se Itamar Franco, que nos deu o Plano Real e salvou o Brasil da hiperinflação.
No entanto, se você, Mickey, for alguém mais velho, tenho pouca esperança de dialogar com você e nos entendermos, porque nós idosos em geral somos mais reacionários às mudanças e aos novos valores, somos menos empáticos com o sofrimento alheio e mais impacientes com o mundo. Talvez sejamos assim porque nos resta pouco tempo para ver as coisas mudarem, ou seja, temos muito passado para trás (que supervalorizamos) e pouco futuro pela frente (que parece não nos pertencer).
Ao contrário, se Mickey for a identidade secreta de uma pessoa jovem, sinto-me na obrigação de dar a você um voto de confiança, imaginando que sua indignação diante do mundo (com a qual compartilho) tenha o levado a acreditar que precisamos de um braço forte para varrer a corrupção do nosso país (o que também acreditei em outros tempos: ver “Sou um merda” AQUI ).
Meu impulso para dialogar com você pode ser decorrente desta mania de ex-professor, a qual me faz sempre imaginar grandes potenciais humanos em qualquer pessoa com menos de trinta anos. Talvez eu ainda esteja embalado por aquela canção da década de setenta que alertava para não se confiar em ninguém que já tivesse sobrevivido à adolescência (que termina aos vinte e cinco, segundo os neurocientistas). De qualquer forma, somos mais impulsivos e imediatistas na juventude e eu também fiz muitas escolhas erradas, inclusive políticas, e assim me vejo como você, Mickey.
Portanto, se você for uma pessoa jovem, posso tentar compreender todas as justificativas para as diversas opiniões que orientam seu apoio ao Bolsonaro, exceto uma, que é um limite intransponível, um divisor de águas, uma dor crônica e incurável que me separa de toda e qualquer pessoa que defenda a tortura de um ser humano por outros (geralmente os torturadores são covardes e praticam suas crueldades em grupo). Não importa a ideologia, não importa a época, não importa qualquer argumento: tortura, não.
No entanto, se você for um jovem, Mickey, farei um esforço para pensar que você sabe o que é a tortura, mas acreditou nas fakenews que sistematicamente disseminaram a mentira de que não houve tortura na ditadura militar. Prefiro pensar que você está desinformado, ou intoxicado pela bolha em que se meteu nas redes sociais. Independentemente de quem a pratica ou praticou, a tortura em si é abominável, porque desumaniza a todos: a vítima, o torturador e a sociedade que a tolera.
E se você for uma mulher? Acho improvável, porque uma mulher que apoie Bolsonaro não utilizaria a figura masculina do Mickey como seu avatar, porque isto provocaria a temida confusão entre papéis masculinos e femininos, tão abominada pelas pessoas conservadoras e machistas com suas divisões entre azul e rosa.
Além da sua idade, fico me perguntando qual seria sua motivação, Mickey, para se tornar meu seguidor? Há duas possibilidades: porque você teria gostado de algo que publiquei e desejaria ver mais trabalhos meus, ou porque, ao contrário, não teria gostado de algo que eu teria postado neste blog.
A primeira possibilidade é a habitual, pela qual alguém se torna seguidor de um blog, mas ela me parece pouco provável no seu caso, Mickey, uma vez minhas ideias costumam ir na direção contrária dos pensamentos daquelas pessoas que apoiam Bolsonaro. Aliás, contrárias também aos que defendem o autoritarismo de Lula e seu comissariado petista, o que abre a possibilidade de você ter gostado de fato de alguma publicação minha por esse motivo.
No entanto, a possibilidade de não ter gostado de algo que publiquei e por isso tenha resolvido se inscrever no blog é que me deixa curioso. Lembrei-me que o Mickey da Disney sempre foi um detetive e espião da CIA e em algumas histórias em quadrinhos ele assume este papel explicitamente. Então desconfio que sua escolha do personagem para disfarçar sua verdadeira identidade possa ter a ver com isso. Você estaria pretendendo me espionar?
Se esta for a sua opção, creio que estará perdendo seu tempo, pois nada tenho a ocultar. Não faço arte de qualquer conspiração contra o Tio Patinhas, não tenho armas nem pretendo tê-las e não conservo segredos de quaisquer tipos. Sou um ser humano, cidadão brasileiro e um velho cartunista.
Assim, Mickey, estou à sua disposição para conversarmos sobre o que desejar, sem qualquer tipo de censura, e não tenha medo de revelar sua verdadeira identidade.
Eu prometo respeitar você como ser humano, cidadão e um jovem eleitor do Bolsonaro.
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