A energia wireless da amizade
O dia amanhecera sombrio com as notícias que desciam da nuvem sobre mais um genocídio em curso, agora também em Myanmar, onde a comunidade muçulmana Rohingya vem sendo massacrada pelos soldados do governo de orientação budista, quem diria, obrigando centenas de milhares de famílias a emigrarem para Bangladesh, outro palco de tragédias passadas, numa repetição macabra de violência em larga escala, como se aqueles povos asiáticos vivessem num pesadelo crônico de séculos de assassinatos em massa, estupros como arma de guerra e humilhante miséria nos campos de refugiados[1].
Como conseguir levantar da cama para fazer algo que possa me perdoar por estar vivo neste mesmíssimo tempo e planeta, marcando no calendário os iguais dias da semana em que as crianças Rohingyas, em Myanmar, e latino americanas, nos Estados Unidos, são separadas dos pais pela brutalidade da civilização que temos construído?
Como compartilhar no mesmo coração o horror de mais estas manifestações da crueldade humana com a minha torcida para que o Brasil do futebol poesia vença a Alemanha do futebol eficiência[2], promovendo alguma reparação em nossa dignidade cultural e, quem sabe, nos incentivando a construir um país um pouco melhor nas urnas próximas?
Então, alguns amigos vieram em meu socorro.
Um deles foi o cartunista Rafael Sete que apareceu para tomar um café e trazer a caricatura (acima), que ele desenhou como parte da recompensa por eu ter participado do crowdfunding de seu livro de quadrinhos “Mas será o Benezinho? ” [3] . Senti-me representado pelo excelente traço do Rafael na dupla personalidade de médico e cartunista e foi inevitável repetir ao vivo o sorriso aberto que traz o personagem do desenho. Receber na dedicatória do Rafael o título de amigo e mestre introduziu na manhã carantonha a satisfação que traz as paternidades com suas perenidades supostas no futuro.
Em seguida aconteceu mais uma das gentilezas do amigo e cientista Romeu Guimarães ao descobrir e me enviar uma referência bibliográfica importantíssima para uma pesquisa que estamos iniciando sobre os efeitos do uso de anticoncepcionais hormonais em pessoas com neurofibromatose do tipo 1. Comoveu-me sua permanente atenção para com a causa social que tem ocupado minha vida nos últimos anos, revelada em suas dúvidas pertinentes, especulações criativas, ideias futurísticas sobre repercussões da doença ainda não imaginadas por mim, além de apoio pessoal de várias ordens. Romeu trouxe um pretexto para o dia continuar nascendo: o artigo para ler e discutir com a equipe do hospital. Tentar ser útil, vaidade maior, voltou a ocupar as intenções e gestos, sublimando minha impotência diante do mundo, nefasto mundo.
Noutras horas, encontro um amigo e verdadeiro poeta, o Regis Gonçalves[4], companheiro de solidão no ato de escrever, que me anima a manter este blog com seu acolhimento estimulante para minhas ousadias letristas, já que não passo de um falso poeta e escritor de ouvido. Sua companheira, a artista Liliane Dardot, relembra-me que cuidar de cada camada de tinta é muito importante para o resultado final, e chego a desejar um papel branco diante das mãos para iniciar um desenho sobre as crianças Rohingya e as crianças aprisionadas pelo Trump. O que elas teriam em comum?
Um pouco antes, outro amigo e cientista, o Ramon Cosenza[5], com sua tranquilidade adquirida na meditação, havia mostrado que é possível manter a calma mesmo quando sabemos que somos irracionais e o futuro pode pertencer às maquinas inteligentes. Manter a calma diante do absurdo da vida já não é um pouco de esperança? Neste fio de contradição do Ramon reencontro meu humor, pois rir pode ser a única resposta, afinal[6].
Por fim, topei por acaso com a Lívia Lazzarotto, professora de fisioterapia que realizou seu mestrado sob minha orientação, e que me revelou os planos, dela e de outros meus ex-alunos da fisiologia do exercício, para um encontro comigo para matarmos as saudades. Esta intenção amistosa por si foi capaz de fazer emergir antigos elos afetivos, dando-me a confortável impressão de que eu e as pessoas com quem me envolvi efetivamente permaneceremos ligados na efêmera linha do tempo.
Enquanto isto, nas várias horas seguintes àquele amargo despertar, desfrutei do privilégio da companhia da Thalma, minha maior amiga, que traz a realidade a tiracolo e não me deixa alucinar o tempo todo, mantendo meus pés no limite dos passos possíveis. Ela é meu antídoto amoroso, ainda que necessário em doses diárias de reforço, contra a onipotência que me faz sentir culpado por não ser capaz de resolver a dor das crianças de Myanmar.
Com o apoio de todas estas amizades, consegui terminar mais um dia sem dar continuidade ao desejo de não mais estar neste mundo a presenciar nossa tragédia humana.
Ainda que eu saiba que nada posso mudar na situação das crianças Rohingyas e latinas, além de tentar levar adiante o papel que me cabe, algo em torno da sétima parte de um bilionésimo das decisões tomadas no planeta, as pessoas amigas que alimentaram minha alma nestas últimas horas fazem-me desejar ainda mais que todas as vítimas das crueldades que estão acontecendo neste momento possam ser salvas, que superem o trauma terrível pelo qual estão passando para que um dia possam desfrutar da amizade, o bem maior que faz a vida valer a pena.
[1] Ver El País https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/17/album/1523951197_004498.html
[2] Ver José Miguel Wisnick em “Veneno remédio” https://www.livrariacultura.com.br/p/ebooks/esportes-e-lazer/futebol/veneno-remedio-o-futebol-e-o-brasil-2010553126?id_link=13574&gclid=CjwKCAjwgr3ZBRAAEiwAGVssnYFj6BvNrYll1AKb6xbfJPhlEaUU3fdOMjK0mC341U7Ke3tjA0_ArRoCH2sQAvD_BwE
[3] Ver excelente site do Rafael Sete aqui http://www.rafaelsete.com/
[4] Ver mais do Regis aqui: https://pt-br.facebook.com/regisfirst
[5] Ver um dos excelentes livros do Ramon aqui: https://www.amazon.com.br/Neuroci%C3%AAncia-Educa%C3%A7%C3%A3o-Como-C%C3%A9rebro-Aprende-ebook/dp/B016AE7IAY
[6] Ver excelente filme sobre isto: Lucky - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-248853/
Como conseguir levantar da cama para fazer algo que possa me perdoar por estar vivo neste mesmíssimo tempo e planeta, marcando no calendário os iguais dias da semana em que as crianças Rohingyas, em Myanmar, e latino americanas, nos Estados Unidos, são separadas dos pais pela brutalidade da civilização que temos construído?
Como compartilhar no mesmo coração o horror de mais estas manifestações da crueldade humana com a minha torcida para que o Brasil do futebol poesia vença a Alemanha do futebol eficiência[2], promovendo alguma reparação em nossa dignidade cultural e, quem sabe, nos incentivando a construir um país um pouco melhor nas urnas próximas?
Então, alguns amigos vieram em meu socorro.
Um deles foi o cartunista Rafael Sete que apareceu para tomar um café e trazer a caricatura (acima), que ele desenhou como parte da recompensa por eu ter participado do crowdfunding de seu livro de quadrinhos “Mas será o Benezinho? ” [3] . Senti-me representado pelo excelente traço do Rafael na dupla personalidade de médico e cartunista e foi inevitável repetir ao vivo o sorriso aberto que traz o personagem do desenho. Receber na dedicatória do Rafael o título de amigo e mestre introduziu na manhã carantonha a satisfação que traz as paternidades com suas perenidades supostas no futuro.
Em seguida aconteceu mais uma das gentilezas do amigo e cientista Romeu Guimarães ao descobrir e me enviar uma referência bibliográfica importantíssima para uma pesquisa que estamos iniciando sobre os efeitos do uso de anticoncepcionais hormonais em pessoas com neurofibromatose do tipo 1. Comoveu-me sua permanente atenção para com a causa social que tem ocupado minha vida nos últimos anos, revelada em suas dúvidas pertinentes, especulações criativas, ideias futurísticas sobre repercussões da doença ainda não imaginadas por mim, além de apoio pessoal de várias ordens. Romeu trouxe um pretexto para o dia continuar nascendo: o artigo para ler e discutir com a equipe do hospital. Tentar ser útil, vaidade maior, voltou a ocupar as intenções e gestos, sublimando minha impotência diante do mundo, nefasto mundo.
Noutras horas, encontro um amigo e verdadeiro poeta, o Regis Gonçalves[4], companheiro de solidão no ato de escrever, que me anima a manter este blog com seu acolhimento estimulante para minhas ousadias letristas, já que não passo de um falso poeta e escritor de ouvido. Sua companheira, a artista Liliane Dardot, relembra-me que cuidar de cada camada de tinta é muito importante para o resultado final, e chego a desejar um papel branco diante das mãos para iniciar um desenho sobre as crianças Rohingya e as crianças aprisionadas pelo Trump. O que elas teriam em comum?
Um pouco antes, outro amigo e cientista, o Ramon Cosenza[5], com sua tranquilidade adquirida na meditação, havia mostrado que é possível manter a calma mesmo quando sabemos que somos irracionais e o futuro pode pertencer às maquinas inteligentes. Manter a calma diante do absurdo da vida já não é um pouco de esperança? Neste fio de contradição do Ramon reencontro meu humor, pois rir pode ser a única resposta, afinal[6].
Por fim, topei por acaso com a Lívia Lazzarotto, professora de fisioterapia que realizou seu mestrado sob minha orientação, e que me revelou os planos, dela e de outros meus ex-alunos da fisiologia do exercício, para um encontro comigo para matarmos as saudades. Esta intenção amistosa por si foi capaz de fazer emergir antigos elos afetivos, dando-me a confortável impressão de que eu e as pessoas com quem me envolvi efetivamente permaneceremos ligados na efêmera linha do tempo.
Enquanto isto, nas várias horas seguintes àquele amargo despertar, desfrutei do privilégio da companhia da Thalma, minha maior amiga, que traz a realidade a tiracolo e não me deixa alucinar o tempo todo, mantendo meus pés no limite dos passos possíveis. Ela é meu antídoto amoroso, ainda que necessário em doses diárias de reforço, contra a onipotência que me faz sentir culpado por não ser capaz de resolver a dor das crianças de Myanmar.
Com o apoio de todas estas amizades, consegui terminar mais um dia sem dar continuidade ao desejo de não mais estar neste mundo a presenciar nossa tragédia humana.
Ainda que eu saiba que nada posso mudar na situação das crianças Rohingyas e latinas, além de tentar levar adiante o papel que me cabe, algo em torno da sétima parte de um bilionésimo das decisões tomadas no planeta, as pessoas amigas que alimentaram minha alma nestas últimas horas fazem-me desejar ainda mais que todas as vítimas das crueldades que estão acontecendo neste momento possam ser salvas, que superem o trauma terrível pelo qual estão passando para que um dia possam desfrutar da amizade, o bem maior que faz a vida valer a pena.
[1] Ver El País https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/17/album/1523951197_004498.html
[2] Ver José Miguel Wisnick em “Veneno remédio” https://www.livrariacultura.com.br/p/ebooks/esportes-e-lazer/futebol/veneno-remedio-o-futebol-e-o-brasil-2010553126?id_link=13574&gclid=CjwKCAjwgr3ZBRAAEiwAGVssnYFj6BvNrYll1AKb6xbfJPhlEaUU3fdOMjK0mC341U7Ke3tjA0_ArRoCH2sQAvD_BwE
[3] Ver excelente site do Rafael Sete aqui http://www.rafaelsete.com/
[4] Ver mais do Regis aqui: https://pt-br.facebook.com/regisfirst
[5] Ver um dos excelentes livros do Ramon aqui: https://www.amazon.com.br/Neuroci%C3%AAncia-Educa%C3%A7%C3%A3o-Como-C%C3%A9rebro-Aprende-ebook/dp/B016AE7IAY
[6] Ver excelente filme sobre isto: Lucky - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-248853/
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