Breno e a política
” Peço-lhes
a permissão para contar a história de um menino, que vamos chamar de Breno, uma
história que pode nos revelar algumas coisas importantes.
Assim que Breno
nasceu, durante seu primeiro banho, a enfermeira percebeu que ele apresentava
mais de cinco manchas na pele, todas elas cor de café com leite, e alertou o
pediatra. O médico, por sua vez, suspeitou de neurofibromatose do tipo 1, uma
doença genética, e comunicou aos pais do Breno a sua impressão e pediu a eles
que procurassem o pediatra no posto de saúde do seu bairro.
No posto de
saúde, a médica que examinou o Breno, também observou mais de cinco manchas
café com leite, cada uma delas com mais de meio centímetro, e encaminhou o
menino para um centro de referência para confirmar o seu diagnóstico de
neurofibromatose do tipo 1.
No centro de
referência, Breno teve seu diagnóstico de neurofibromatose do tipo 1 confirmado
e a família foi orientada, assim como a médica do posto de saúde, para os
controles anuais que deveriam ser realizados, - com atenção especial sobre um
tumor benigno que Breno apresentava na face, chamado neurofibroma plexiforme. Os
pais foram esclarecidos sobre as causas da doença e receberam aconselhamento
genético.
Os controles
foram realizados corretamente e Breno foi se desenvolvendo relativamente bem,
embora um pouco abaixo do peso e da estatura ideais.
Assim que
entrou para a escola, apesar de ser um menino afetivo e bem-humorado, Breno
apresentou dificuldades de aprendizado e as professoras foram informadas sobre
sua doença. Elas receberam cartilhas de
esclarecimento e deram atenção especial ao menino, que assim conseguiu
acompanhar os colegas.
Quando a
família de Breno enfrentou dificuldades econômicas, o serviço de assistência
social do município conseguiu ajudar o grupo familiar na superação da crise e o
apoio psicológico oferecido pelo centro de referencia amenizou as complicações
causadas pela doença do menino.
Aos dez
anos, o tumor na face do Breno apresentou um crescimento maior do que o
esperado e a médica do posto de saúde solicitou nova avaliação no centro de
referência em neurofibromatoses, onde foi providenciada uma tomografia com
emissão de pósitrons, que mostrou aumento na captação de glicose pelo tumor, o
que sugeria uma possível transformação maligna do tumor, embora este
acontecimento seja pouco comum antes dos vinte anos.
Diante
disso, Breno foi submetido a uma biópsia que revelou o início de uma
transformação maligna, e este dado motivou a retirada imediata do núcleo do
tumor, seguida de quimioterapia e reconstituição da face com cirurgia plástica.
Breno
recuperou-se do tratamento, - perdeu algumas notas na escola, é claro, - mas
está bem, realizando seus controles periódicos há dois anos, sem sinais de
novas complicações.
As pessoas
que possuem qualquer uma das neurofibromatoses e seus pais, assim como todas as
demais pessoas que me ouvem e que conhecem a realidade das doenças raras, devem
estar incrédulas diante da história do Breno.
E vocês têm
razão de estarem admiradas com este meu relato, - uma história que poderia ter
acontecido assim, mas - não aconteceu.
Os
profissionais de saúde não perceberam as manchas do Breno ao nascimento.
Eles também não
perceberam a neurofibromatose no posto de saúde ou em qualquer outro momento em
que se aproximaram do menino.
Os pais de
Breno se separaram depois que o pai, embriagado, espancara o menino que não
parava de chorar; meses depois o pai foi preso por assassinato e cumpre pena
numa penitenciária de Minas Gerais.
A família se
desintegrou, a mãe mudou-se para o interior com duas irmãs de Breno e ele foi
deixado na casa de parentes em Belo Horizonte.
A escola
pública não compreendeu as dificuldades de Breno, ele não recebeu qualquer
atenção especial por causa de sua doença, - pelo contrário, e ele tornou-se
progressivamente isolado pela discriminação dos colegas.
Uma de suas
tias, preocupada com o caroço que crescia no rosto do menino, procurou ajuda na
internet e encontrou nosso centro de referência no Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Minas Gerais.
Mas era
tarde.
Breno faleceu
meses depois na casa de sua tia recebendo morfina e outros cuidados paliativos,
depois do fracasso da quimioterapia e da radioterapia.
Breno tinha
apenas doze anos de idade.
Breno nasceu
por acaso com uma doença rara, a neurofibromatose do tipo 1, que acomete cerca
de 80 mil brasileiros. Como acontece nas demais doenças raras, as pessoas com
neurofibromatose sofrem muito com o desconhecimento técnico, científico, social
e político de sua doença.
O
desconhecimento significa angústia, solidão, desamparo, danos físicos e
psicológicos para as pessoas doentes e seus familiares;
O
desconhecimento gera insegurança para os profissionais da saúde, despertando
sua impotência, levando-os a reagirem com negação, indiferença, abandono,
negligência, omissão e imperícia;
O
desconhecimento de uma doença pela sociedade faz com que a doença não tenha
representação social, ou seja, as pessoas não sabem como se sentir diante da
pessoa que carrega aquela doença, o que resulta em falta de empatia, em baixa
solidariedade e preconceito.
O resultado
deste desconhecimento geral é a perda da nossa humanidade.
Precisamos
conhecer para compreender.
Precisamos
conhecer para aceitar.
Precisamos
conhecer para amar.
Precisamos
conhecer para cuidar.”
Fiz este depoimento no Congresso Nacional, em
Brasília, no dia 26 de fevereiro de 2014, por ocasião de um evento promovido pela
Associação Maria Vitória de Doenças Raras com o apoio de alguns deputados e
senadores.
Se nas eleições nós elegermos políticos mais comprometidos
com as pessoas e sem financiamento de empresas corruptoras, podemos esperar um
futuro melhor do o que estamos presenciando neste momento no Congresso
Nacional.
Quem sabe assim teremos recursos financeiros
para a saúde para evitarmos a repetição da história do menino Breno.
(Arte sobre foto de Lula Marques)
Muito bom texto LOR.
ResponderExcluirHistórias concretas nos fazem perceber o estrago feito pela corrupção e falta de espírito público, tão generalizados atualmente.
Podemos acrescentar: É preciso conhecer para nos indignar. É preciso conhecer para procurar novos rumos.
Ramon