Eu sou um velho

 

Eu sou um velho, me diz você.

E me intriga essa identidade.


Me dissesse: sou um médico, sou um avô, sou de esquerda, sou sensível, eu entenderia.

Mas estes, definidos por suas ações, vontades e coletividades, se distinguem daquele, velho, por sua generalidade.

Como se, ao ser testemunha do tempo, e só por isto, já fosse.


Eu sou um velho, me diz você.

E me questiono o que devo adicionar ao sujeito que diz. Onde mudar, ponderar ou aceitar.

Velho como definição por contraste, por falta ou por excesso; oposto do novo ou do jovem?

Observo os que compartilham minhas décadas: alguns como você, alguns como eu, alguns como ninguém.

Procuro nas velas do bolo o que separa o agora

                                                                        do ontem

                                                                                    do amanhã

e não encontro.


Eu sou um velho, me diz você.

Observo ele, o seu oposto, que nos traz dor todo dia, e que tem só dez anos a menos que você.

É ele também um velho? Se dissesse: "sou um velho", que sentido traria?


Eu sou um velho, me diz você.

Dissesse você "estou velho", e estaríamos juntos.

O passar é coletivo e universal, o crescer não.



Ana, 19 de agosto de 2020 







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