MUROS


A radicalização política entre republicanos, democratas internacionalistas, anarquistas e comunistas, de um lado, e nacionalistas, fascistas, aristocratas, conservadores, nazistas e monarquistas, de outro, levou à Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939). Aquela guerra foi o cenário escolhido por Jean Paul Sartre para descrever a última noite de três republicanos, condenados ao fuzilamento ao raiar do dia, no seu conto intitulado O Muro, que li em 1968 e reli recentemente.

O Muro transformou profundamente minha visão do mundo naquela longínqua juventude aos dezenove anos, como se eu tivesse sido fuzilado junto com aqueles homens. Passei a ser aterrorizado pelo acaso incontrolável que afeta profundamente nossa vida e pelo medo de uma guerra civil, que surge do ódio fermentado a partir de pequenas e contínuas diferenças entre as pessoas que são exacerbadas cotidianamente.

Na minha inexperiência, não conseguia compreender como era possível que amigos, vizinhos e familiares passem a se odiar profundamente, tornando-se capazes de praticar atrocidades inimagináveis uns contra os outros. Eu ainda não tinha vivido o bastante para perceber o quanto podemos ser manipulados por pessoas e entidades, as quais conduzem nossos sentimentos mais primitivos, como o medo, a insegurança e a desconfiança do estrangeiro, na direção de seus interesses ocultos. Fabricam o ódio para nos guiar como cães adestrados e raivosos.

Na década de setenta fomos brindados pelo grupo Pink Floyd com a demolição de um muro simbólico em The Wall, antecipando a queda do Muro de Berlim, o que prometia uma época de maior liberdade para o mundo. Temos vivido desde a declaração dos Direitos Humanos, em 1949, um bom período de valorização das democracias, de aumento do respeito aos direitos humanos e de crescimento da civilização. Domenico de Masi, um sociólogo italiano, chegou a escrever o livro “O futuro chegou”, no qual 2014 ainda parecia uma época brilhante e o futuro estava localizado no Brasil.

Mas a crise econômica de 2008 e os erros governamentais das socialdemocracias em vários países derrubaram muitos dos pilares da paz que foram erguidos naqueles anos de esperança. Hoje, com a eleição de alguns políticos populistas, novos muros concretos e imaginários estão sendo construídos entre pessoas e países, e ficou mais fácil odiar alguém que está do outro lado.

A democracia, que deveria ser capaz de conciliar os diferentes interesses sem oprimir ninguém, vem sendo sequestrada por pessoas que a desprezam. Políticos que usaram as liberdades democráticas para tomarem o poder e passaram a desconstruir a própria convivência civilizada entre as diferentes opiniões e modos de vida.

Alguém me diz que a eleição de pessoas da extrema direita ou da extrema esquerda faz parte da democracia, como várias vezes já aconteceu, por exemplo, com a eleição de nazistas no século passado.

Tenho dúvidas.

Podem existir níveis diferentes de democracia, por exemplo, locais onde haja apenas eleições livres e persistem grandes diferenças econômicas e outros onde a democracia eleitoral também é acompanhada de maior igualdade econômica.

No entanto, o princípio fundamental da democracia é que todos DEVEM ter igualdade de direitos.

Assim, a democracia deve ser capaz de permitir todas as diferenças de opinião sobre como a sociedade deve ser conduzida, mas dentro de limites que não destruam este princípio fundamental da semelhança entre as pessoas em sua cidadania.

Acho que estes limites podem ser definidos como os direitos humanos.

A democracia não pode aceitar que sejam defendidas ideias como o assassinato, a tortura, a discriminação racial ou de gênero ou o genocídio, por exemplo, porque todos eles contradizem o fundamento da igualdade de direitos.

Assim, pessoas e partidos de esquerda ou de direita que defendam qualquer tipo de ditadura não podem ser autorizados a disputar eleições democráticas.

A democracia precisa aprender a se defender.







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