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Mostrando postagens de julho, 2018

Cro-Magnon

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Os restos mortais do homem de vinte e oito mil anos (*)  reacendem,  nas cinzas sobre a mesa dos cientistas, fagulhas possíveis de sua vida. Apesar das marcas da doença, terá sido feliz? Corria pela floresta como as outras crianças, em brincadeiras ágeis pela aldeia nômade, ou tropeçava nos próprios genes e se ralava até desistir? Aprendeu facilmente a falar as complexas palavras mágicas, que traziam a caça e as frutas suculentas, ou se alimentava dos restos dos meninos mais espertos? Descobriu seu lugar ao redor da fogueira, onde os cânticos marcavam os ritmos da vida e da morte, ou teve que ser introduzido pela sua mãe contra os costumes da tribo? Encontrou forças para se aproximar daquela moça,  que sorria para ele como se fosse sempre de manhã, ou se deixou emudecer pelo coração disparado e tímido? Foi capaz de construir sua própria cabana, apesar da força e destreza que lhe faltavam, ou teve que se contentar com as sombras alheias? Sofreu com as mar

Por que as crianças na caverna nos mobilizaram tanto?

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Milhões de nós acompanhamos cilindro a cilindro o resgate do time de futebol infantil que ficou aprisionado por vários dias numa caverna, os Javalis Selvagens. Parecia ser o tema principal na maioria dos sistemas de comunicação, apesar de que, ao mesmo tempo, estivesse acontecendo a Copa do Mundo na Rússia, as enchentes catastróficas causassem centenas de mortes no Japão e milhares de refugiados da África continuassem tentando desesperada e perigosamente atravessar o Mediterrâneo para fugir da fome e das guerras. Além disso, ali pertinho da caverna dos meninos, do outro lado daquela montanha, no outro lado da fronteira da Tailândia com Myanmar, centenas de milhares de pessoas da etnia Rohingya ( VER AQUI  ) estavam sendo massacradas pelos soldados budistas e obrigadas a fugir para Bangladesh. E, sim, junto com a desclassificação do Brasil na copa, completamos quatro meses sem sabermos quem matou e mandou matar Marielle Franco. Mobilizamos nossos corações pelos pequenos javalis, por

Para Rita Hayworth

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Afronta

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Para Luíza e Marco da Lígia Da janela vejo o sol se ocultar por trás da favela, onde traficantes exibem as mãos visíveis do mercado. Seguindo na mesma direção oeste, não terminou o dia em Brasília, mas os seus habitantes já encerraram o expediente e as possibilidades futuras pelos próximos vinte anos. Nuvens douradas à esquerda deslizam sobre a praça, na qual refugiados venezuelanos disputam migalhas com pombos sujos pela fuligem que emana do tráfego intenso dos automóveis. À direita, crianças obesas descem pesadamente de uma van escolar e entram entristecidas no prédio pelo playground sempre vazio. Sobre os tetos dos apartamentos, andorinhas voejam inquietas por não encontrarem as árvores do ano passado. Na casa ao lado, o casal idoso discute porque ele não quer tomar o remédio que prolonga sua doença e reduz sua aposentadoria. Na outra esquina, o catador de papel descansa um pouco diante do carrinho de tralhas, que inclui uma bandeira nacional. Tenho ímpeto d